domingo, 15 de julho de 2007

Oscar Niemeyer. Não é preciso dizer mais nada



Sou fã desse cara há 100 anos. Vale a pena ler o artigo dele publicado na Folha de hoje. Tudo a ver com jornalistas e estudantes de Jornalismo.

Entrevistas
OSCAR NIEMEYER
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Cansado de repetições, tento mudar de assunto. Passei a vida sobre a prancheta, mas, para mim, a política importa mais que a arquitetura
A arquitetura serve apenas aos mais poderosos; os mais pobres dela nada usufruem, vendo, revoltados, de seus barracos, o mundo dos ricos

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ULTIMAMENTE , minhas manhãs são ocupadas por entrevistas e encontros. Jornais e revistas nacionais e estrangeiros, pessoas interessadas em saber o que penso da arquitetura e da própria vida.
Sobre a arquitetura, me restrinjo a explicar que, hoje, o concreto armado tudo permite aos arquitetos, que arquitetura é invenção e que a minha preocupação principal é utilizar a técnica em toda a sua plenitude, buscando dar aos meus projetos a surpresa, o espanto que uma obra de arte requer.
E esclareço aos que me entrevistam que, quando o tema permite, começo reduzindo os apoios, e a arquitetura se faz mais audaciosa, e as coberturas, maiores, se adaptando às formas diferentes que a imaginação vai criar.
A entrevista prossegue, eu procurando encurtar os assuntos da arquitetura, mas não raro surge uma pergunta que requer uma explicação. Numa das entrevistas recentes, indagaram: "Que relação tem Le Corbusier com o projeto do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde?". Um projeto feito por uma equipe chefiada por Lucio Costa, tendo por base um projeto do velho mestre.
E, como de costume, me limitei a dizer que se tratava de um projeto de Le Corbusier. Uma preocupação permanente que temos em preservar a autoria de qualquer projeto arquitetônico -coisa antiga que, já no passado, Michelangelo revelava, ao se recusar a interferir no projeto original de Bramante para a basílica de São Pedro em Roma.
Mas, no caso do projeto elaborado pela comissão chefiada por Lucio Costa, é diferente, tantas foram as modificações feitas no segundo estudo apresentado por Le Corbusier.
A própria localização do prédio no terreno foi alterada: em vez de mantê-lo, como constava do projeto do velho mestre, grudado à rua, defronte do Ministério do Trabalho, com a fachada norte prejudicada (praticamente escondida), resolvemos colocar o edifício no meio do terreno, dividindo em duas a praça existente. Em razão dessa solução, surgiram os pilotis e a ligação tão bonita entre eles.
E nos ocorreu a solução diferente dada ao bloco destinado a exposições e auditório, solto, independente do edifício, como antes não ocorria.
Depois, a simplificação das fachadas do edifício. A fachada sul construída toda de vidro, sem as interrupções nas áreas correspondentes aos sanitários, antes previstas. Na outra, foi adotado o sistema de brise-soleil por Le Corbusier preconizado, com a diferença de que as placas horizontais não são fixas, em concreto, como o velho mestre usava, mas móveis, regulando a proteção solar -um sistema de placas móveis antes empregado pelos irmãos Roberto. Um detalhe que evoluiu naturalmente ao passar do tempo. Podia ter lembrado que, na mesma época, no Rio, outros edifícios de igual espírito arquitetônico estavam sendo criados, como o prédio da ABI, o aeroporto Santos Dumont etc.
Essa era a explicação que, como membro daquela comissão, eu deveria ter fornecido ao meu entrevistador. Afinal, é generosidade demais considerar o prédio do Ministério da Educação e Saúde uma simples variação de um projeto já elaborado diante da explicação que acabo de dar.
Nessas entrevistas, procuro limitar um pouco os assuntos da arquitetura -um trabalho, a meu ver, muito pessoal, em que o arquiteto deve fazer o que gosta, e não aquilo que os outros gostariam que ele fizesse.
E a conversa prossegue, os jornalistas perguntando sobre meus últimos trabalhos, o que estou fazendo no exterior, qual o projeto que mais me agrada entre os já realizados.
Para atendê-los, lembro às vezes o projeto da sede da editora Mondadori, em Milão (Itália), em que a surpresa arquitetural surge logo ao visitante que chega -a grande colunata com espaços diferentes, num ritmo musical que até hoje não se viu em outro edifício-, ou a Universidade de Constantine, na Argélia, em que, estando com o nosso amigo Darcy Ribeiro, que lá nos acompanhava, preocupado com que o projeto em elaboração garantisse o contato mais íntimo entre os estudantes, adotei a sua idéia, criando uma universidade completamente diferente. Lembro do entusiasmo com que Darcy, Luís Hildebrando Pereira da Silva, Heron de Alencar e Ubirajara Brito, exilados na Europa, vieram à Argélia para comigo colaborar.
Ah, como até no exterior a arquitetura muitas vezes sofre alterações! É a notícia que recebo de Constantine, surpreso ao saber que uma grande placa de vidro foi colocada, fechando o recreio em pilotis que desenhei -o que contrasta com o que se verificou com a sede do Partido Comunista Francês.
Convocado por seu secretário-geral, ele me disse: "Oscar, a sede está pronta, está muito bonita; tenho uma escrivaninha velha, que me acompanhou a vida inteira; eu gostaria de saber se você me permite colocá-la no meu gabinete". Em toda a minha trajetória de arquiteto, foi a única vez que me falaram assim.
Um pouco cansado das repetições inevitáveis, tento quase sempre mudar de assunto, buscando levar a entrevista para o lado político, que mais me interessa: "Vocês sabem, passei a vida debruçado na prancheta, mas, para mim, ela é mais importante do que a arquitetura". E, como para espantar os jornalistas mais um pouco, continuo: "Quando vejo um jovem protestando nas ruas, sinto que o que ele faz é mais importante do que o meu trabalho de arquiteto".
E mais ainda os surpreendo quando falo dos problemas da vida, deste mundo injusto que devemos modificar, da insignificância do ser humano diante deste universo fantástico que tanto o atrai e humilha. E enveredo, como comunista que sou, pela crítica deste sistema capitalista responsável pela injustiça e pela violência que se multiplicam por toda a parte, com o império de Bush a invadir os países mais desprotegidos.
Sinto que, de um modo geral, essa minha conversa começa a interessá-los, acostumados que estão a ouvir sempre dos arquitetos mais importantes o entusiasmo incontido pelas obras que realizam, a mostra do talento com que as projetaram, certos de que ficarão na história da arquitetura por sua contribuição irrefutável.
Como para contestá-los, lembro que a arquitetura serve apenas aos mais poderosos; os mais pobres dela nada usufruem, vendo, revoltados, de seus barracos, o mundo dos ricos, fútil e ignorante (mas eles bem instalados em seus palácios junto ao mar).
Raramente algum deles resolve contestar-me: "E no mundo socialista que vocês propõem, o que vai acontecer?". É claro -respondo- que a vida será mais justa, as habitações serão mais modestas, mas as escolas, as universidades, os grandes empreendimentos humanos -os hospitais, os estádios, os cinemas, os teatros, os museus, os centros culturais- serão mais importantes, porque deles todos participarão. E o homem será mais simples, mais humano, curioso à procura da verdade de sua própria existência, de sua origem tão longínqua que até uma ameba poderá explicá-la.
Perplexo diante do futuro, que nada de bom oferece, mas a sonhar com o progresso da ciência, com as viagens interplanetárias, que enfrentam as distâncias mais fantásticas.
Não raro, depois de as entrevistas serem publicadas, os equívocos aparecem, e por vezes tão lamentáveis que sou obrigado a me manifestar. E, quando o assunto é político, um engano que possa ocorrer me preocupa ainda mais.
Aproveito este texto para esclarecer que a presença de Lula no atual governo é, a meu ver, da maior importância. Operário, voltado para o povo, hábil na política externa, embora, como comunistas, nos seja muitas vezes difícil aceitar o seu espírito conciliador.
Vivemos um momento difícil no campo internacional, o império de Bush a ameaçar o mundo inteiro. Internamente, um ambiente estranho começa a nos inquietar: é uma onda irrefreável de denúncias, gravações de conversas telefônicas, gente sendo presa sem provas; cria-se o terror, como nos velhos tempos de Beria na antiga União Soviética ou no período do macartismo nos Estados Unidos.
Além disso, é o fantasma do inesperado, que, para o bem ou para o mal, um dia pode surgir.

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