segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Mensagem inicial

Mensagem aos jovens jornalistas
Carlos Chagas

(Discurso de paraninfo da turma de formandos do primeiro semestre de 2006 da Universidade de Brasília, proferido a 29 de agosto de 2006)

"Saudações. É com um misto de tristeza, nostalgia e também de felicidade que volto a esta casa que por 25 anos foi a minha casa. E continua sendo. Tristeza por não fazer mais parte do corpo de seus professores, aposentado que estou. Nostalgia por ter vivido, aqui, os anos mais fecundos de minha vida, onde pude dividir com vocês certezas e dúvidas. Felicidade, por ser a Universidade de Brasília o refúgio permanente de quantos, mesmo afastados como eu, para aqui acorrem recompensados pela gratidão de quantos não nos esqueceram.

Existem momentos na vida em que o tempo parece interromper-se. O que era, deixou de ser. O que vai ser, ainda não é. As formaturas exprimem esses momentos. O passado terminou e o futuro ainda não começou, para vocês formandos. O presente, por isso, adquire as características do eterno.

Ao entrar neste auditório, vocês deixaram de ser universitários. Quando saírem, diplomados, serão profissionais: jornalistas, publicitários, cineastas, radialistas, enfim, comunicadores. Enquanto aqui estivermos, nesta noite, vocês já deixaram de ser e ainda não são.

Aproveitemos então este momento raro para, pela última vez, praticarmos em conjunto aquilo que, reunidos, praticamos enquanto nas salas de aula. Vamos continuar questionando.

Vamos cultivar a dúvida. Vamos erodir as teorias. Vamos contestar os mitos. Vamos descrer dos modelos. Vamos desfazer verdades absolutas. Esta é a proposta maior da comunicação social: opor os fatos aos mitos. Suplantar as ilusões com a realidade, mas sem deixar nunca de sonhar. Constituem, os sonhos, os fatos e a realidade, o Deus que devemos adorar. Assim como as verdades absolutas, os modelos, as teorias e os mitos, o demônio que precisamos exorcizar. Uma referência, apenas, à universidade.

Ao contrário do que muitos pretendem e apregoam, a universidade não é uma simples matriz produtora de mão-de-obra qualificada para a sociedade. Jamais ela será reduzida ao papel de um forno produtor de pão para o banquete das elites. É claro que vocês se prepararam para trabalhar nos jornais, revistas, rádios, televisões, blogs, agências de notícias on-line, agências de publicidade, assessorias de empresas públicas e privadas e instituições dos poderes da nação. No entanto, muito mais preparados devem estar e estão para questionar a comunicação social. Prontos para renovar, reformar e, se necessário, revolucionar os meios de comunicação.

Porque uma universidade não é uma instituição destinada a servir aos detentores do poder, seja esse poder político, econômico, sindical, esportivo, artístico, cultural ou qualquer outro. Uma universidade existe para contestar o mundo à sua volta.

Já me alongo. Chegou a hora de dizer adeus. Digo ter de vocês uma profunda inveja. Porque vocês enfrentarão desafios e realizarão mudanças muito mais profundas do que as que tentei realizar e enfrentar.

Deixo-lhes apenas algumas exortações: rebelem-se contra o preconceito dos que pretendem resumir a vida a um sistema; insurjam-se diante de doutrinas, ideologias ou modelos que se apregoam dispor de resposta para todas as perguntas; empurrem para o fundo da estante os livros que se imaginam repositórios de toda verdade, todo conhecimento e toda sabedoria.

Sacudam a poeira da intolerância dos que apresentam o ser humano como simples conjunto químico dotado de inteligência. Mas releguem ao lixo da história a concepção oposta, de que precisamos nos conformar com a injustiça, a fome, a miséria, o desemprego e o sofrimento, nesta vida, para recebermos a compensação numa incerta vida futura.

Levantem-se contra a teoria das ditaduras, tanto quanto contra a ditadura das teorias. Cultivem o senso grave da ordem e o anseio irresistível da liberdade. Creiam, acima de tudo, no poder da razão, porque da razão nasce a liberdade, da liberdade nasce a justiça, da justiça nasce o bem-comum, e do bem-comum nasce o amor. O amor, a derradeira oferta do indivíduo à sociedade. E de um professor aos seus alunos. Adeus".