Deu hoje no caderno MERCADO da Folha. Recomendo a leitura e reflexão. Especial para estudantes de Comunicação.
Área de comunicação corporativa aumenta 300% em dez anos
Agências brasileiras diversificam atividade e faturam R$ 2 bi em 2011; verba de corporações sobe para R$ 8 bi
Setor assumiu o papel de o papel de decifrar ameaças e oportunidades para empresas, diz Aberje
MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO
Em um momento de redefinição do modelo de negócios dos veículos de mídia, outro segmento de comunicação tem crescido a um ritmo de 15% nos últimos cinco anos. As agências de comunicação corporativa faturaram R$ 2 bilhões em 2011. Em 2001, eram R$ 500 milhões, em valores atualizados.
FSB, CDN e Máquina da Notícia são algumas das principais empresas do mercado.
"Estamos passando por uma transformação radical. A comunicação se tornou peça fundamental para as corporações, com o papel de decifrar ameaças e oportunidades", afirma o presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), Paulo Nassar.
A maior parte das agências começou como assessoria de imprensa, mas diversificou seus serviços. "É um trabalho de psicólogo, diplomata e bombeiro", resume João Rodarte, presidente da CDN.
Em 2007, dois dias depois da tragédia da cratera no canteiro de obras da linha 4 do metrô, a CDN foi chamada. Havia vítimas e o risco de executivos do consórcio empreendedor serem presos.
A agência participou de um comitê envolvendo profissionais de engenharia, direito, seguros e assistência social. Mobilizou 25 profissionais para atender a imprensa.
"Em um plano de comunicação, além dos jornalistas supostamente todos os envolvidos em uma operação -funcionários, fornecedores, investidores, clientes- devem ser impactados. A palavra-chave é integração", diz Maristela Mafei, da Máquina.
Outros exemplos de atuação dessas empresas são a fusão de gigantes como Telefônica e Vivo ou TAM e Lan Chile, ou a exportação do quadro de executivos da Ambev.
Há também casos clássicos apontados como antiexemplos. A Rhodia, que nos anos 90 era tida como modelo de comunicação, deixou um passivo ambiental em Cubatão, na Baixada Santista, que colocou em xeque a construção de uma imagem que não correspondia a sua atuação.
A Petrobras lançou na Bolívia uma campanha em espanhol, sem levar em conta o idioma local dos indígenas da região em que atua.
E os conflitos com operários no canteiro de obras em Jirau, em Rondônia, expressam uma certa incapacidade da Camargo Corrêa em comunicar-se com os funcionários.
"Por mais que as agências sejam competentes, é mais comum do que se imagina maquiarem os fatos, omitirem fontes, sonegarem informações. Quando proteger um cliente se torna mais importante que a verdade, temos um problema de ética e cidadania", diz Wilson Bueno, professor da Universidade Metodista do ABC.
As principais agências contam em seu staff com profissionais que ganharam experiência nas Redações dos principais veículos do país.
SALÁRIOS MAIS ALTOS
De acordo com Francisco Soares Brandão, sócio-fundador da FSB, ganha-se mais em comunicação corporativa.
"Aqui, o céu é o limite. Os resultados são medidos pela produtividade", afirma.
A Aberje acaba de finalizar um relatório mostrando que, nas corporações, um diretor de comunicação recebe em média R$ 51 mil. Uma secretária, R$ 5,8 mil.
A formação acadêmica em jornalismo oferecida pelas universidades contempla muito timidamente o mercado de comunicação empresarial. Há uns poucos MBAs, e mais nada.
"Mais da metade dos alunos graduados acabam indo para essa área, mas a formação que recebem ainda é focada no trabalho em veículos de comunicação", afirma Gisele Lorenzetti, presidente da Abracom, entidade que agrega as agências.
A percepção no mercado é de que falta mão de obra especializada -capacidade de interlocução com diferentes culturas, conhecimento sobre a regulação do Estado e direitos internacionais, entre outros, são requisitos.
LOBBY
Com presença cada vez maior nos contratos com governos (leia texto ao lado), uma antiga demanda do setor é pela regulamentação da atividade do lobby no Brasil, como ocorre nos Estados Unidos.
"É preciso desmistificar o termo. É legítimo que uma corporação busque um levantamento sobre a legislação vigente e o que está sendo discutido nos âmbitos do Executivo e do Legislativo, com vistas a influir nas tomadas de decisão em áreas de seu interesse", diz Andrew Greenlees, vice-presidente da CDN.
"Se uma montadora vai se instalar no Brasil, por exemplo, precisa saber como as coisas funcionam", exemplifica.
Para Maristela Mafei, "nos setores regulados pelo governo, isso se torna mais dramático, pois com frequência as agências mudam de ênfase".
A CDN é associada ao escritório Flecha de Lima, fundado pelo ex-embaixador Paulo Tarso. O foco são as relações governamentais.
A proposta é inserir e acompanhar o cliente no ambiente político, identificando decisões que possam afetar seus interesses e sugerindo formas de atuação.
Governo traz limite técnico, diz jornalista
DE SÃO PAULO
Trabalhar para o governo traz problemas técnicos e éticos, avalia o jornalista Ricardo Viveiros, 62.
Dono da empresa de comunicação que leva seu nome, ele completa, em 2012, 25 anos de atuação sem atender a esse segmento "por opção".
Tecnicamente, diz, há a dificuldade de construir imagem para um cliente que muda a cada eleição ou mandato. Outros problemas são a falta de acompanhamento de desempenho e de transparência nos objetivos, diz ele.
"Prefiro manter a postura de jornalista", diz Viveiros, que foi repórter de rádio, TV, jornais e revista.
A decisão, porém, limita o porte da empresa. A Ricardo Viveiros tem 30 clientes fixos e 50 funcionários (só a FSB tem 450).
Contas do setor público superam os R$ 10 milhões
DE SÃO PAULO
A abertura de licitações na área de comunicação em governos, ministérios e autarquias criou um mercado milionário que está sendo disputado palmo a palmo. Muitas contas ultrapassam os R$ 10 milhões anuais.
A grande reviravolta do segmento ocorreu em 2006, quando as licitações foram regularizadas. Antes, elas entravam em licitações de maior porte disputadas por agências de publicidade que terceirizavam o serviço de comunicação corporativa, e cobravam comissões que chegavam a 30% do faturado.
A FSB atende uma conta do Ministério da Saúde orçada em R$ 15 milhões anuais e tem em sua carteira de clientes o laboratório Glaxo.
Além do Banco Central, a CDN atende Itaú e Santander.
A FSB atende também o Ministério do Esporte e a Fifa. Para o órgão público, prestando assessoria de comunicação; para a entidade futebolística, fazendo monitoramento e análise de cenários políticos, como a tramitação da lei geral da Copa.
Nesta configuração há um potencial conflito de interesses. O profissional de comunicação inevitavelmente acaba tendo acesso a informações privilegiadas.
Nesses pacotes, além do atendimento à imprensa também pode estar incluído o treinamento de ministros para entrevistas.
Como não há regulamentação específica, o que acaba predominando é o código de ética das próprias agências, que consiste basicamente no sigilo (equipes trabalhando separadamente), e na transparência com os clientes.
"Até concordo que alguém de má-fé poderia se aproveitar de situações como essas", afirma Francisco Soares Brandão, da FSB. "Mas as equipes não se comunicam, e os clientes sabem disso."
A conta do Ministério da Saúde envolve uma equipe de 40 funcionários alocada dentro do próprio ministério. De acordo com Marcos Trindade, sócio-diretor da FSB, a agência hoje tem um lugar à mesa nas reuniões envolvendo todas as secretarias.
"Em momentos-chave, podemos fazer a interlocução com médicos, hospitais e quem mais for preciso."
Trindade diz que, ao terceirizar o serviço, o governo ganha em gestão e agilidade. "Isso é ótimo pois coloca os órgãos públicos em pé de igualdade com os veículos de imprensa. Não adianta ter uma mídia preparada e o lado de cá não", acrescenta.
Leia sobre as normas do setor nos Estados Unidos e no Reino Unido
folha.com/no1161125
A edição impressa mostra alguns gráficos bem interessantes.