#vemprarua, Folha
A imprensa precisa inventar um modo de captar as mudanças de humor da sociedade e também de cobrir o que está fora das instituições
A inesperada explosão de descontentamento que se vê nas cidades mostra que alguma coisa precisa mudar no jornalismo tradicional. Como ninguém percebeu que o clima estava tão pesado?
As pesquisas que apontavam uma alta aprovação da presidente e os bons índices de emprego pareciam indicar que, apesar da inflação e da economia fraca, estava "tudo bem". Imaginava-se que a Copa das Confederações aumentaria a sensação de bem-estar, já que, diz o senso comum, o futebol sempre adiciona um ingrediente de orgulho nacional ao momento político.
A multidão, com seus gritos de protesto, deu um "looping" nessas certezas e deixou evidente que os canais da imprensa são insuficientes para captar as mudanças de humor na sociedade.
Fosse um movimento que tivesse nascido nas franjas da cidade, a surpresa seria mais compreensível. Mas o gatilho das manifestações foi acionado pelos jovens de classe média urbana, público teoricamente próximo a um jornal como a Folha.
Em sua coluna "A vez da mídia", na "Ilustrada" de quarta-feira passada, Marcelo Coelho afirma que as pessoas que se manifestam nas ruas e nas redes sociais "se sentem mal representadas na mídia tradicional". Entre outros fatores, Coelho cita um "abismo geracional", que ele identifica na falta de jovens escrevendo no jornal ou sendo entrevistados para comentar o movimento.
Rejuvenescer o corpo de colunistas poderia ajudar a criar uma sintonia maior com as ruas, mas, com certeza, não basta. Um monitoramento mais profissional das redes sociais também é um caminho, já que elas mostraram a sua força nas mobilizações pelo país.
É preciso aprender a interpretar as ondas no Facebook e no Twitter, separando o que é realmente importante do que é espuma. Trata-se de tornar realidade o pretensioso slogan da mais recente campanha publicitária do jornal em que uma garota diz: "A Folha segue o que eu penso e o que eu não penso. A Folha me segue. Eu sigo a Folha".
Não é uma tarefa fácil porque implica inventar um modo de cobrir aquilo que está fora das instituições. Para entender o que querem os manifestantes, não adianta ligar para sindicatos, agremiações estudantis ou partidos políticos. Não há nem lideranças definidas, o que subverte a lógica da reportagem política.
Perdida, a imprensa não se cansa de reproduzir os cartazes desenhados para as passeatas, na esperança de decifrar, por meio desses pedaços de papel, um fenômeno tão novo. Além de chacoalhar as diferentes instâncias de poder, a moçada do #vemprarua deu um nó na cabeça dos jornalistas.
EM RITMO FRENÉTICO
Não está fácil fazer jornalismo nas últimas semanas. Desde que os protestos tomaram o país, o noticiário muda em ritmo de montanha-russa. Num dia, é fundamental explicar o que seria uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política; 24 horas depois, essa proposta já tinha sido engavetada.
Em dois dias, o Congresso tomou mais decisões do que nos últimos seis meses. A PEC 37, que limitaria a ação do Ministério Público, foi enterrada sumariamente. Votaram a destinação dos royalties do petróleo e também o projeto de tornar a corrupção um crime hediondo.
Até o Supremo Tribunal Federal foi sacudido: determinou a prisão imediata de um parlamentar. A prefeitura cancelou a licitação de ônibus em São Paulo e o Estado anunciou que não aumentará o pedágio.
Essas respostas imediatas ao que se supõe que queiram os manifestantes formam uma miríade de medidas difícil de ser discutida em pouco tempo. Cabe aos jornais, onde há maior espaço para a reflexão, aprofundar o debate e mostrar que nem tudo é tão bom quanto parece.
Segurar o pedágio não é uma forma de subsidiar o transporte individual? De onde o governo vai cortar os R$ 50 bilhões que irão para projetos de transportes? Mais verbas são a saída para melhorar a educação?
Da mesma forma que os políticos reagiram à urgência criada pelo clamor popular, o jornal precisará "mostrar serviço". É hora de fazer a diferença, analisando cada assunto sem entrar num clima de "agora o Brasil vai pra frente".
O artigo do Marcelo Coelho:
A vez da mídia
Se o pensador mais ousado da Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja momento de uma autocrítica
Partidos, Congresso, sindicatos, governantes --não há instituição democrática que não esteja sob o foco de críticas. Falta falar de outra instituição, a imprensa. Ou "a mídia", como prefere dizer quem já se põe no campo de ataque.
Acho que há três pontos a destacar. Em primeiro lugar, a ideia de que as redes sociais, como o Facebook, aposentaram a mídia tradicional. De um ponto vista, faz sentido. De outro, não.
Claro que, graças ao Facebook, foi possível avaliar, por exemplo, se valeria ou não a pena participar da manifestação de segunda-feira passada, dia 17 de junho. Quanto mais adeptos no mundo virtual, mais se sente que o momento de passar à vida real já chegou.
Não é tão claro o raciocínio de que, com as redes, elimina-se a função dos jornais e das empresas de comunicação. Muito do que se compartilha no Facebook, em termos de notícia e opinião política, tem origem nos órgãos jornalísticos organizados, sejam impressos, audiovisuais ou da própria internet.
Passo com isso ao segundo ponto. Quem está protestando contra o pastor Feliciano, a PEC 37, Renan Calheiros, os gastos da Copa, e outros mil problemas, teve sua indignação despertada pelas notícias dos jornais e da TV.
São as reportagens de sempre, com sua rotina de sempre, que acumularam essa insatisfação contra o sistema político. E, se a mídia noticiou os casos de vandalismo, também foram indispensáveis para mostrar os abusos policiais.
A imprensa sai então glorificada dessas movimentações? Com toda evidência, não. Houve ataques contra emissoras de TV e contra repórteres respeitabilíssimos, como Caco Barcellos. Há mais.
Acredito que, graças à conquista de um poder de autoexpressão possibilitado pela internet, as pessoas que se manifestam nas ruas e nas redes se sentem mal representadas na mídia tradicional.
Em parte, a "crise de representação" que se verifica no caso de partidos e Congresso se reflete nas relações entre imprensa e cidadãos.
Existe a sensação, claro, de uma desigualdade de poder de fogo: grandes empresas de comunicação podem mais do que sites e blogs isolados.
Há também um abismo geracional. Incluo-me entre os que envelheceram. E olhe que à minha volta, nos chamados formadores de opinião, nos analistas, comentaristas, sociólogos, filósofos, urbanistas, técnicos e economistas que, sempre os mesmos, são os entrevistados nessa época, a maioria está na ativa desde que eu era criança...
Quando o pensador mais ousado e "irreverente" da Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja o momento de uma autocrítica.
A alienação, o distanciamento entre a imprensa e os manifestantes se dá em outros níveis também. Ao voltarem-se contra governantes, as passeatas denunciam o contraste entre o mundo oficial, movido a discursos eleitorais, planilhas técnicas e blá-blá-blá de marqueteiros, e uma realidade cotidiana da qual todos se esquecem assim que assumem o poder.
É injusto dizer que um jornal como a Folha se esquece de apontar falhas na saúde, nos transportes e na educação. Ao contrário, isso é noticiado todo dia, com investigação e detalhe.
Mas, assim como os políticos só parecem acordar para o interesse público às vésperas da eleição, também os jornais concentram-se excessivamente, a meu ver, no calendário eleitoral. Não há dia --mesmo nestas últimas semanas-- em que não saiam notícias sobre as movimentações de Aécio e Eduardo Campos, ao lado dos clássicos prognósticos de que Dilma vai se reeleger se a economia não piorar muito.
A rotina desse tipo de cobertura mata os jornais, e interessa a pouquíssimas pessoas. As próprias reportagens sobre corrupção e mazelas administrativas me parecem difíceis, chatíssimas de ler.
Há a obrigação de revelar dados, estatísticas etc., sem o que estaríamos retrocedendo a um jornalismo da Idade da Pedra. Ao mesmo tempo, acho que isso trouxe um risco de rotinização e tecnicalismo que afasta o leitor --e não adianta "emburrecer" a linguagem para trazê-lo de volta.
Chamo "emburrecer" o processo que leva à elaboração de boxes, por exemplo, dizendo "entenda o que é o mensalão", "entenda o que é reforma política" ou coisa parecida. "Entenda, é sua última chance".... Mas os manifestantes destes dias parecem estar entendendo mais do que se pensa.
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