sábado, 17 de julho de 2010

Sobre perfis e jornalismo cultural: jornalista peruano Julio Villanueva Chang, na Folha de S. Paulo

Vale a pena ler.


Íntimo profissional
Peruano Julio Villanueva Chang, que virá à Flip, diz que ao traçar perfis confronta a própria ignorância 
Vasco Szinetar - 2008/Divulgação
Julio Villanueva Chang flagrado no banheiro por Vasco Szinetar, fotógrafo que já retratou, nas mesmas condições, autores como Jorge Luis Borges, Umberto Eco, García Márquez, E.M. Cioran e outros

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA 

"Como há críticos de vinhos, quem escreve um perfil é um crítico de pessoas." Este é o modo como o peruano Julio Villanueva Chang, 42, define seu ofício. Convidado da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (entre 4 e 8 de agosto), o jornalista ficou conhecido por fundar, em 2002, a badalada revista "Etiqueta Negra", baseada em Lima e dedicada a grandes reportagens e perfis.
Chang acaba de ter publicado em alguns países hispano-americanos "Elogios Criminales" (elogios criminais), uma coletânea de grandes reportagens que fez com figuras singulares. Entre elas estão perfis do chef espanhol Ferran Adrià, do dentista do escritor colombiano Gabriel García Márquez, do tenor peruano Juan Diego Flórez e de um inacreditável prefeito cego da cidade de Cali.
O autor atualmente trabalha numa reportagem sobre o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que deve integrar uma reedição do livro. Chang publica seus textos em veículos de vários países. Além da "Etiqueta Negra", também o "La Nación" (Argentina), a "Gatopardo" (México) e o "El País" (Espanha). Na Flip, fará uma oficina sobre perfis e falará sobre jornalismo cultural.
Leia os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha, por e-mail.
Folha - Como você escolhe seus personagens?
Julio Villanueva Chang
 - Por razões tão evidentes como misteriosas. Há algo exemplar que me fascina neles e que tento explicar a todos. Mas, às vezes, há algo deles que tem a ver comigo e que não posso explicar nem sequer a mim mesmo.
A história do prefeito cego é a de um homem que perdeu a visão quando criança e que desde então luta para ser tratado como pessoa normal.
Escrevo sobre o que não entendo e cada um dos meus perfis é também um ensaio sobre a minha ignorância.
O que me atrai num personagem é o fato de encarnar uma ideia contraditória e inexplicável e que sua vida não explique somente a ele, mas a muitas pessoas.

"Editor é segundo cérebro de um texto"
Para Chang, jornalismo cultural deve converter informação em conhecimento e superar banalidade da internet

Autor diz que explicar um acontecimento é mais uma necessidade ética do que uma liberdade estética 


DA EDITORA DA ILUSTRADA
Leia a continuação da entrevista com o autor peruano Julio Villanueva Chang.
(SYLVIA COLOMBO)
Qual é o papel da linguagem e do estilo narrativo que você adota nesse processo de construção dos personagens?Assim como há críticos de vinhos, quem escreve um perfil é um crítico de pessoas. Quando você tem a sorte de retratar uma vida extraordinária, é uma oportunidade de unir a estética à crítica.
Quando escrevo uma crônica, ou sua versão mais ambiciosa, que é um perfil, tento converter a informação em conhecimento e o acontecimento em experiência.
Em tempos em que as notícias aparecem de imediato na tela de seu telefone celular, explicar um acontecimento já não é tanto uma liberdade estética, é uma necessidade ética.
Hoje, na imprensa impressa ou na eletrônica, a quase ninguém importa escrever bem ou ser crítico. E confunde-se a crítica com a queixa. O leitor comum, de textos impressos ou eletrônicos, percebe o mundo sobretudo através das palavras.
Quem não se preocupa por "escrever bem" não perde leitores, isso é o de menos. Perde, sim, gente que entenda que diabos está sucedendo e que, assim, se comova, divirta ou se indigne.
Que papel pensa ter a imprensa cultural e revistas como a "Etiqueta Negra" hoje?Ao olharmos o mundo do presente, a confusão certamente é natural.
Mas não é um tema cultural o fato de médicos acreditarem que séries como "House" aumentam a procura para se estudar medicina? Não é um tema cultural que na Polônia a autoridade que cuida dos menores peça que se investigue se os Teletubbies fomentam a homossexualidade entre as crianças?
Que dizer quando um cozinheiro como Ferran Adrià é o convidado principal da feira de arte mais vanguardista do mundo? Quem me explica por que um refrigerante com cor de urina vende mais que a Coca-Cola no Peru? Ou por que hoje alguns futebolistas brasileiros vão mais à igreja do que às discotecas?
O jornalismo cultural pode ser uma oficina de informação sobre a humanidade.
Hoje, o problema da informação não é tanto o de sua abundância, mas o de sua uniformidade e como, diante da saturação, nos esquecemos de tudo tão rápido.
Para além das entrevistas e das crônicas de fenômenos culturais, em que podemos ser bons historiadores do presente, creio que as revistas são o lugar natural para os experimentos e que a aposta é publicar nelas tudo o que não aparece na internet, cuja incandescência e mutabilidade nos convenceu de que tudo está ali.
Como vê a diferença dos ofícios de escritor e de editor?Escrever e editar são para mim duas máscaras do ato fundamental de ler.
Me interessa a figura do editor como um segundo cérebro, como cúmplice na mediocridade ou na excelência de um texto. Um editor é um ignorante especialista em fazer boas perguntas.
Escrever e editar é buscar memória. Quando publico meus textos ou os de outros, minha ilusão não é tanto que se chegue a um ponto final, mas que a história tenha um depois de amanhã.



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