Um grande dia na história da imprensa
Elio Gaspari
Em setembro de 1994 um curioso com jeito de ET, diploma de
engenharia da computação pela Universidade de Stanford e uma passagem pelo
Bankers Trust queria começar seu negócio.
Qual, não decidira, mas sabia que seu motor seria o comércio
eletrônico. Inscreveu-se num curso rápido para interessados em vender livros.
Viu que estava diante de um mercado anacrônico, fez uma dívida, alugou uma
garagem e fundou a Amazon com a mulher, um computador e dois amigos. Vendeu
livros e tornou-se a maior livraria do mundo. Vende de tudo e é a maior
atacadista de comércio eletrônico. Jeff Bezos acaba de comprar por US$ 250
milhões o venerado "The Washington Post", quindim dos jornalistas no
século passado, berço da dupla de repórteres que derrubou o presidente Richard
Nixon com suas reportagens sobre o caso Watergate.
O "Post" teve de tudo: editor brilhante, Ben
Bradlee, copiloto da cobertura do Watergate; donos malucos, o playboy Edward
MacLean, que azarou a família comprando para sua mulher o diamante Hope, ou
Philip Graham, que pediu ao presidente John Kennedy que demitisse um editor de
seu jornal. Doente, Graham matou-se. No apogeu, teve na sua viúva, Katharine, a
cujo pai pertencera o jornal, a maior figura da história do "Post".
Logo ela, que até a morte do marido parecera uma dondoca maltratada e tímida.
Kay Graham morreu em 2001.
A compra do jornal por Bezos foi anunciada dias depois de o
"New York Times" ter vendido o "Boston Globe" por 6% do US$
1,1 bilhão que pagou em 1993. Ele não só criou a Amazon como lançou o Kindle.
Bezos é um gênio da conexão com os consumidores. Sua estrutura tecnológica é
uma das maiores do mundo, mas seu segredo está na logística e no atendimento à
freguesia. É um empresário feroz e detesta sindicatos. Quando lançou o Kindle,
com livros a US$ 9,99, os magnatas do mercado editorial organizaram um cartel
debaixo do guarda-chuva da Apple e acabaram nos tribunais. No Brasil sua
operação é pedestre, mas essa é outra história.
Bezos entrou no "Post" com dinheiro do próprio
bolso, para enfrentar o "New York Times", que há anos busca o caminho
das pedras eletrônicas. Leva uma vantagem: com uma fortuna de US$ 25,2 bilhões,
tem mais dinheiro que toda a família Sulzberger e pouco se lixa para as
oscilações de Wall Street. A Amazon perdeu dinheiro durante cinco anos e
sobreviveu à bolha da internet. Seu negócio, desde o primeiro momento, era a
inovação. Numa daquelas histórias que fazem o folclore dos empresários, quando
uma senhora idosa reclamou que os pacotes da Amazon eram difíceis de abrir, ele
mandou redesenhá-los. Noutra: fazia reuniões mantendo uma cadeira vazia, para
que todos se lembrassem do consumidor.
Bezos entra num mercado que consome fortunas em logística e
papel para entregar produtos que podem chegar eletronicamente a um tablet em
pouco mais de um minuto. É fácil intuir que, aos 49 anos, olha para esse
negócio com a cobiça que sentiu aos 30, quando se inscreveu no curso para
livreiros. O que fará, e como, será uma bonita história. De saída, anunciou que
vive "em outra Washington", pois sua sede fica em Seattle, do outro
lado do país, no Estado do mesmo nome. Um palpite: ele adora vender barato.
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