Acabo de abrir meu e-mail e leio a mensagem:
"PC, envio uma colaboração pra ti, direto de La Paz.
Como estão as coisas aí nesse calor invejável do Rio? E nossa querida Facha?
Grande abraço,
Marcelo".
Marcelo Salles foi mais um dos meus alunos que se tornaram profissionais brilhantes. E publicar um artigo inédito dele, direto de La Paz, é uma honra. Boa reflexão. Mas não concordo plenamente com o Marcelo. Trabalhei na Grande Imprensa e conheço grandes profissionais na Grande Imprensa que "vendem" seu trabalho com dignidade. Tem espaço para todo mundo. Não é crime trabalhar na Grande Imprensa. Também tem muito canalha entre aqueles "que escolheram um caminho diferente".
Vale a reflexão:
Jornalistas e jornalistas
Por Marcelo Salles (*)
O jornalista deve ser um combatente, não um expectador
- José Carlos Mariátegui
Glória, RJ, sede da rádio CBN, segundo semestre de 2008. A emissora das Organizações Globo convida todas as assessorias dos candidatos à Prefeitura do Rio para discutir as regras e a ordem das entrevistas e a cobertura. Oswaldo Maneschy, representando o PDT, questiona a opção da CBN de utilizar as pesquisas de opinião como critério para definir a ordem das entrevistas. Ele sabe que essas pesquisas já foram utilizadas para fraudar eleições, como ficou claro no escândalo do Pró-Consult. Marisa Tavares, diretora de jornalismo, acaba aceitando sortear a ordem. Mas sobre o tempo de cobertura, ela sentencia: “Não vou perder tempo cobrindo partido pequeno”. Ao que Maneschy responde: “Nos últimos 20 anos elegemos três governadores no Rio de Janeiro. Isso é partido pequeno, Marisa?”. Ela não respondeu, mas quando o representante do PDT saiu da sala, Marisa comentou: “Maneschy abraçou uma causa... Ele parou nos anos 80”.
Conto essa história porque sinto uma onda reacionária de jornalistas que atualmente vendem sua força de trabalho às corporações de mídia contra aqueles profissionais que escolheram um caminho diferente. Isto fica bastante visível no menosprezo da diretora da CBN em relação ao Oswaldo Maneschy. Para se posicionarem desta forma, esses jornalistas acreditam piamente no mito da imparcialidade. Acham que basta ouvir os dois lados, mas aparentemente não percebem que a vida não é feita em preto e branco. Ou, mais além, parecem não saber que as empresas onde trabalham estão a serviço de um determinado projeto político. Nesse sentido, pode-se dizer sem medo de errar que todo jornalista abraça uma causa, tanto os que escolhem militar num partido político, ONG ou movimento social, quanto aqueles que suam a blusinha para ingressar numa das poucas corporações de mídia. A diferença é o que cada um defende.
Num país capitalista, autoritário, machista, racista e brutalmente desigual como o Brasil, as corporações de mídia cumprem um papel fundamental para a manutenção do sistema. Enquanto equipamento de controle social, seu objetivo é reduzir a resistência diante de todas essas formas de opressão. Resistência que geralmente se manifesta através dos movimentos sociais, criminalizados pela mídia corporativa e defendidos pela outra imprensa.
Muitas vezes os jornalistas que abraçam a mídia grande não se dão conta deste processo. Como cada vez mais a pauta chega pronta – desde quem pode ser ouvido até o que o ouvido deve dizer, passando pelo fato não desprezível da criteriosa escolha de quem é o “outro lado” autorizado a ser ouvido – esses jornalistas se transformam em autômatos. Toda a formação acadêmica, sobretudo nas áreas de sociologia, filosofia e semiologia vão por água abaixo. Daí William Bonner ter dito que forma uma jornalista em seis meses (melhor teria sido falar em “adestramento”). Diante desta alienação, voluntária ou não, o resultado é que passam a vida como meros expectadores, incapazes de refletir sobre sua própria profissão e sua missão social. O máximo que conseguem é levantar a voz contra os jornalistas que escolheram caminhos diferentes.
(*) Marcelo Salles, jornalista, foi correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro entre 2004 e 2008. Atualmente é correspondente da revista Caros Amigos em La Paz (Bolívia), editor do jornal Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
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6 comentários:
Concordo com os dois lados (paradoxo?).
Acho que Zuenir Ventura, A. Dines, Millôr, Fritz Utzeri, entre tantos outros merecem mais respeito. Contudo, é realmente lamentável a satanização que se faz, sempre, pela mídia, daqueles que não condizem com o modelo capitalista vigente.
Concordo com os dois lados (paradoxo?).
Acho que Zuenir Ventura, A. Dines, Millôr, Fritz Utzeri, entre tantos outros merecem mais respeito. Contudo, é realmente lamentável a satanização que se faz, sempre, pela mídia, daqueles que não condizem com o modelo capitalista vigente.
Obrigado pela visita e comentário, Marcelo. Seja bem-vindo.
Não se pode generalizar, nunca!
Acho que quando uma pessoa leiga toma conhecimento de que na verdade a mídia tenta conter a resistência contra o modelo repressor (e a gente não percebe mesmo porque o processo é muito sultil e mascarado) vigente do qual ela faz parte, fica parecendo que todos os comunicadores que atuam nesse meio ferino são coniventes, conscientes ou não, com o sistema. Mas quando se é um participante ativo do meio jornalístico, você consegue separar o joio do trigo. Posso estar errada, mas atualmente penso dessa forma! E veja só que paradoxo pode ser observado: os que possuem a missão de reduzir a resistência, também estão querendo reagir, seja em defesa das corporações (e do próprio emprego) onde atuam ou por uma simples questão de ego, que está percebendo que fugir do modelo pré-estabelecido é mais legal e motivador.
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