EM TROCA DE MENSAGENS, STEVEN JOHNSON DEFENDE A WEB COMO ESPAÇO DE AMPLIAÇÃO DA CIDADANIA, ENQUANTO PAUL STARR DIZ QUE MÍDIA IMPRESSA É CENTRAL PARA O COMBATE À CORRUPÇÃO E PARA A SOBREVIVÊNCIA DA DEMOCRACIA
ECOSSISTEMA
6 de abril de 2009
Prezado Paul,
Comecemos pelos pontos sobre os quais provavelmente concordamos. Em primeiro lugar, os jornais historicamente forneceram e fornecem bens cívicos e públicos essenciais para uma cultura democrática saudável. Em segundo, eles se encontram em situação financeira difícil, em razão de transformações de longo prazo operadas em grande medida pela internet, também em razão da crise econômica -que esperamos ser de curto prazo- e, no caso de alguns jornais, por decisões financeiras insensatas de seus proprietários.
Sejam quais forem as causas subjacentes, porém, acho que você e eu concordamos que, dentro de cinco ou dez anos, o setor dos jornais -e, portanto, seu produto editorial- terá aparência fundamentalmente diferente da atual.
A dúvida é se vai ou não emergir um novo modelo que forneça os bens públicos antes garantidos pelos jornais por meio de seus monopólios locais que geravam alta margem de lucro (pelo menos nos EUA).
Acho que existem boas razões para pensar que o sistema de notícias que está se desenvolvendo on-line será melhor que o modelo dos jornais com o qual convivemos nos últimos cem anos.
Uma maneira de enxergar essa transformação é pensar na mídia como um ecossistema.
Na maneira como ela circula a informação, a mídia de hoje é, de fato, muito mais próxima de um ecossistema do que era o velho modelo industrial e centralizado da mídia de massas.
O novo mundo é mais diversificado e interligado. É um sistema no qual as informações fluem com mais liberdade. Essa complexidade o torna interessante, mas dificulta as previsões de como será sua aparência em cinco ou dez anos.
Ecossistemas
Em vez de começar pelo futuro, proponho que olhemos para o passado.
Quando os ecologistas pesquisam os ecossistemas naturais, procuram as florestas mais antigas, onde a natureza teve mais tempo para evoluir.
Para estudar as florestas tropicais, não analisam um campo desmatado dois anos antes.
Por analogia, devemos examinar as partes do noticiário on-line que passaram por uma evolução mais longa.
Uma dessas áreas é a reportagem sobre a própria tecnologia. Esta vem crescendo e se diversificando há décadas, fazendo dela uma floresta antiga de notícias on-line.
Tomemos a política como outro exemplo. A primeira eleição presidencial que acompanhei de maneira obsessiva foi em 1992. Todo os dias o "New York Times" publicava um punhado de matérias sobre escalas nas campanhas, debates ou pesquisas de opinião.
Todas as noites eu assistia a programas da TV a cabo para ouvir o que os palpiteiros tinham a dizer sobre os acontecimentos do dia. Lia "Newsweek", "Time" e "New Republic" e vasculhava a "New Yorker" em busca de seus ocasionais artigos políticos.
É verdade que tudo isso estava longe de constituir um deserto de noticiário. Mas compare-se o que havia então com as informações disponíveis na eleição de 2008.
Tudo que existia em 1992 ainda estava presente, mas fazia parte de uma nova e vasta floresta de notícias, dados, opiniões, sátira -e, o que possivelmente seja mais importante, experiências diretas.
Sites como Talking Points Memo e Politico faziam reportagem direta. Blogs como o Daily Kos traziam relatos aprofundados sobre corridas individuais, algo que o "New York Times" jamais teria tinta suficiente para cobrir.
Blogueiros como Andrew Sullivan reagiam a cada nova virada no ciclo noticiário, e novos analistas como Nate Silver, no Fivethirtyeight.com, faziam análises de pesquisas que superavam de longe qualquer coisa oferecida pela CNN.
Pense no discurso de Barack Obama sobre a questão racial, possivelmente um dos acontecimentos-chave da campanha. Oito milhões de pessoas o acompanharam no YouTube.
Teriam as redes de TV transmitido esse discurso na íntegra em 1992? Com certeza, não. Ele teria sido reduzido a um minuto no noticiário noturno. A CNN talvez o tivesse transmitido ao vivo, para 500 mil pessoas. A Fox News e a MSNBC nem sequer existiam.
Para mim, não há dúvida de que o ecossistema do noticiário político em 2008 foi muito, muito superior ao de 1992.
Algumas pessoas argumentam que essa nova diversidade é parasítica: os blogueiros são interessantes, é claro, mas, se as organizações noticiosas tradicionais perdessem peso, os blogueiros não teriam mais sobre o que escrever.
Amadurecimento
Isso talvez fosse verdade no início desta década, mas não é mais. Imagine quantos barris de tinta foram comprados para imprimir comentários em jornais sobre a gafe de Obama em relação a "pessoas que se apegam a suas armas e à religião".
Mas essa frase não foi reportada originalmente pelo "New York Times" ou o "Wall Street Journal", e sim pelo Huffington Post. Não é que os jornais irão desaparecer -é apenas que deixarão de ser a espécie dominante.
A cobertura política da campanha de 2008 foi fértil pelas mesmas razões por que a cobertura das notícias na web é fértil: porque a web já é uma mídia de crescimento antigo.
As primeiras ondas de blogs eram focadas na tecnologia; mais tarde, se voltaram à política. Agora, as coberturas de esportes, economia, cinema, livros, restaurantes e notícias locais -todas os temas padrões do velho formato dos jornais- estão proliferando on-line. Há mais perspectivas e mais profundidade.
E isso é apenas o crescimento mais recente. As notícias on-line estão apenas começando a amadurecer.
Cordialmente, Steven
RISCO DEMOCRÁTICO
10 de abril de 2009
Caro Steven,
Concordo que um novo modelo de noticiário e controvérsia pública está emergindo on-line e que sob alguns aspectos, especialmente a gama de opiniões que abrange, o ambiente on-line apresenta vantagens em relação ao mundo tradicional do jornalismo impresso.
Mas a realidade é que os recursos para fazer jornalismo nos EUA, especialmente nos níveis metropolitano e regional, estão desaparecendo mais rapidamente do que as novas mídias conseguem gerá-los.
Você emprega a metáfora de um "ecossistema", e é um conceito reconfortante: à medida que morrem as formas de vida velhas, nascem outras novas.
Mas você está tomando algumas árvores por uma floresta.
Além disso, a própria metáfora orgânica induz ao engano. As mídias não se desenvolvem naturalmente. Elas se desenvolvem historicamente, e as forças que regem seu desenvolvimento são sobretudo políticas e econômicas.
A maioria das sociedades, mesmo aquelas que têm uma imprensa nacional livre, não possui a abundância de mídia metropolitana que historicamente caracteriza os EUA.
A imprensa no Reino Unido e na França, por exemplo, é muito mais concentrada no nível nacional.
Mas nos EUA, da fundação da República ao século 19, a política governamental subsidiou a ascensão de jornais locais.
Esses jornais, por sua vez, exerceram papel econômico importante como intermediários entre vendedores (anunciantes) e compradores. A partir desses lucros, os jornais puderam subsidiar a produção de notícias como bem público.
As pesquisas em ciências sociais mostram que, onde a mídia noticiosa é fraca, a corrupção está muito mais presente.
Sem uma imprensa independente capaz de cobrar responsabilidade dos governos locais e estaduais, o projeto básico de uma democracia federal fica comprometido.
A internet está enfraquecendo a capacidade da imprensa de subsidiar a produção de jornalismo de serviço público, e isso por uma razão, sobretudo.
Os jornais diários metropolitanos já não ocupam a posição estratégica de intermediários entre compradores e vendedores que ocupavam no passado.
Pois há maneiras alternativas, on-line, para os vendedores chegarem a seus mercados e para os consumidores encontrarem informações sobre produtos e vendas.
Nichos
A competição crescente para chamar a atenção dos leitores no ciberespaço também enfraquece a capacidade de a mídia noticiosa cobrar por seus conteúdos. A recessão atual e a administração insensata vêm agravando esses problemas.
Jornais na Europa e em outras regiões enfrentam as mesmas transformações estruturais graves.
Nos EUA, a cobertura jornalística dos governos estaduais vem caindo de maneira nítida.
Em meu próprio Estado, Nova Jersey, antigamente havia 50 repórteres que cobriam a política em tempo integral. Hoje. esse número caiu para 15. Muitas notícias nem sequer chegam a ser cobertas.
Contrariamente ao seu relato, o recuo dos jornais não vem sendo compensado por uma tendência de veículos on-line preencherem a brecha criada.
Existem na realidade três problemas separados aqui: 1) a produção de notícias feita com profissionalismo; 2) a produção de um público engajado; e 3) a produção de responsabilidade política efetiva.
Embora seja inquestionável que a internet oferece uma diversidade de opinião e acesso a novas fontes, ela não vem conservando o jornalismo profissional generalista em seus níveis anteriores.
Estão sendo servidos alguns públicos de nicho. No nível nacional, ao mesmo tempo em que o número de jornalistas da mídia generalista profissional vem diminuindo, muitos jornalistas têm encontrado trabalho em publicações de preço elevado que atendem a setores econômicos específicos.
Esportes e cruzada
A filantropia poderá subsidiar a reportagem investigativa e remediar esse problema em parte. Mas o segundo problema -a criação de um público engajado- é ainda mais difícil.
Os jornais -antes lidos por metade das pessoas de uma cidade- ajudavam a criar um público urbano consciente.
Aqueles que compram um jornal podem interessar-se só por esportes ou palavras cruzadas, mas, mesmo assim, olharão a primeira página pelo menos de relance, com isso tomando conhecimento de algo sobre sua cidade e o mundo.
On-line, quem se interessa por esportes ou palavras cruzadas vai diretamente aos sites que os oferecem, evitando ser exposto a notícias e polêmicas sobre sua comunidade.
O que está em jogo aqui é o desenvolvimento maior de uma sociedade de informação estratificada. Isso guarda relação com o terceiro problema: a criação da responsabilidade política efetiva.
A capacidade da mídia noticiosa de servir como freio ao governo não depende só das leis que protegem a liberdade de expressão, mas também do poder econômico da imprensa.Interesses poderosos podem intimidar organizações que sejam financeiramente fracas.
Seria insensato prever se a web será ou não capaz de sustentar o tipo de jornalismo para o público geral que os jornais têm produzido, historicamente. Mas seria ainda mais insensato ignorar as evidências do que está acontecendo hoje e confiar numa visão feliz de progresso inexorável proporcionada pela internet.
O perigo dessa indiferença alegre às realidades desagradáveis é que ela pode nos induzir à inação. Tanto a política governamental quanto a filantropia precisam ser incentivadas a apoiar o jornalismo independente de maneiras novas.Paul Starr
Quem é Paul Starr
Professor de sociologia na Universidade Princeton (EUA), Paul Starr ganhou o Prêmio Pulitzer de não-ficção em 1984 por "The Social Transformation of American Medicine" (A Transformação Social da Medicina Americana).Em 1993, no governo Bill Clinton (1993-2001), foi consultor da Casa Branca para o sistema de saúde nacional.É fundador e coeditor da revista "American Prospect" e autor também de "Freedom's Power" (O Poder da Liberdade), sobre a evolução do liberalismo.
Quem é Steven Johnson
Steven Johnson foi editor-chefe e cofundador de uma das primeiras revistas on-line, a "Feed Magazine". Escreve sobre ciência e tecnologia e sobre novas mídias de massa.É autor do recente "The Invention of the Air" (A Invenção do Ar, ed. Riverhead), que sai no Brasil no segundo semestre, e "Cultura da Interface" (ambos pela ed. Zahar).Coordena, desde 2006, o site Outside.in (http://outside.in), que busca "construir a web geográfica, bairro por bairro", nas palavras do próprio Johnson.
Nota do editor do blog: mais tarde eu publico o restante da matéria.
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