segunda-feira, 7 de junho de 2010

Zagallo e os jornalistas incompetentes, por Nelson Varón Cadena

Deu no Portal Imprensa.

Zagalo e os jornalistas "incompetentes"


Em 31 de maio de 1970, a Rede Mexicana de televisão transmitia na íntegra, para mais de 50 países, o Brasil incluído, o jogo de estreia da Copa do Mundo entre as seleções do México, a anfitriã do certame, e a União Soviética. Transmissão em preto e branco para quase todo o planeta, com algumas exceções. No Brasil a tecnologia de enlace de micro-ondas da Embratel ainda engatinhava, de modo que apenas os moradores de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e da capital Brasília acompanharam os jogos ao vivo, enquanto o resto do país teve de se conformar com os filmes em vídeo - tape, exibidos às 23 horas; claro que, neste caso, ninguém dispensou o rádio de válvula, ou os radinhos de pilha, a tecnologia móbile já disponível.

O IBGE registrava uma população em torno de 90 milhões de habitantes, mote da campanha publicitária celebrizada nos versos de Miguel Gustavo "noventa milhões em ação, para frente o Brasil, salve a seleção...", porém, dois terços da população, em que pese duas décadas de existência da telinha, não tinham acesso ao veículo. Na Copa de 70 essa lacuna se fez mais evidente com a ênfase das revistas semanais na novidade da transmissão ao vivo, para quatro centros metropolitanos. O fato é que, estima-se, 30 milhões de brasileiros apenas assistiram a Copa pela TV, os números são da imprensa da época. Nesse contexto alguns grupos, próximos das esferas do poder, tiveram o privilégio de assistir os jogos a cores, o caso dos 400 convidados da Embratel na festa do edifício Palestra Itália em São Paulo, ou as duas centenas de personalidades que a TV Difusora de Porto Alegre reuniu na sua sede, com direito ao hino nacional, discursos e rompantes de exaltação ao Brasil grande.

Incompetentes e irresponsáveis

Em 03 de junho do mesmo ano o Brasil fazia a sua estréia contra a Tchecoslováquia, um dos combinados da cortina de ferro cuja característica era a disciplina e velocidade, em contrapartida ao futebol alegre e vistoso do time comandado por Mário Lobo Zagalo que, naquele tempo já se excedia no vocabulário. O jogo tinha um significado simbólico, a reaproximação do time com a sua torcida e em especial com os formadores de opinião que antes do embarque para a América Central não apostavam um tostão, sem nenhum trocadilho, na seleção canarinho. O técnico, magoado com a expectativa, criticava a imprensa, sem meias palavras, com um furor que hoje faria inveja ao Dunga nas suas apreciações mais acidas: "Eu não me nego a dar informações, mas sei de alguns jornalistas incompetentes, ou irresponsáveis que transmitem imprecisões". 

Zagalo estava aborrecido não apenas com a imprensa, mas com o mundo. Nos bastidores confidenciava a jornalistas a magoa de não ter recebido sequer um telegrama de estímulo do Botafogo, seu time, diferente de outros clubes e outras instâncias esportivas do país que nesse sentido se manifestaram. Magoas aparte, a seleção brasileira no México seduzia a imprensa internacional que se rendia à técnica do futebol sul-americano em comentários exaltados do tipo "O Brasil jogou como se fosse um time de piranhas" do "Kurier" de Viena, ou "Parece que jogam sobre as nuvens, alegres e felizes" no Le Stampa da Itália, ou mesmo, "como se pronuncia Pelé? D.E.U. S, do Sunday Times de Londres.

Enquanto isso a imprensa brasileira tocava o samba de uma nota só, remoendo as magoas da derrota de Wembley, na Copa de 1966, o noticiário pautado pelo espírito de revanche, extensivo ainda à seleção azurra, os uruguaios, os nossos algozes em 1950. A vingança, o troco, era o tema por excelência, considerando a coincidência de se bater com os inimigos nas quartas de final e nas semifinais respectivamente. A mídia brasileira explorou esse estado de espírito, um tempero a mais a ressaltar a euforia do torcedor, a estas alturas, já motivado pelo rádio, a imprensa e a televisão e até pela mídia oficial, "A Voz do Brasil" que o Presidente Médici determinou antecipar das 19 para as 17 horas para repercutir os resultados dos jogos. No contexto, o slogan, um grito de guerra : "Avante Brasil.".


* Colombiano, é residente em Salvador desde a década de 70. É jornalista formado pela Unibahia.

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