domingo, 1 de janeiro de 2012

Aula para estudantes de Jornalismo: "A síndrome do já demos isso", Suzana Singer

Lembro bem desse tipo de situação no Globo. Mais uma bela sacada da Suzana Singer, ombudsman da Folha.


A síndrome do "já demos isso"
Folha noticia mal previsão sobre o PIB brasileiro, porque "a informação foi publicada há dois meses"

"Nós já demos isso." Quem trabalha na chefia de uma Redação ouve essa frase centenas de vezes. É a resposta clássica dada por quem é cobrado por algum furo (informação publicada na concorrência).
Nas reuniões de pauta, acontece mais ou menos assim:

Chefia: Por que não publicamos uma crítica do filme X, que estreou?
Editor: Nós já demos isso.
Chefia: Quando?
Editor: Há dois meses, quando o filme foi lançado nos EUA.
ou
Chefia: O concorrente trouxe que o ministro Fulano recebe aposentadorias indevidas. Ele pode cair.
Editor: Nós já demos isso.
Chefia: Não me lembro...
Editor: Saiu quando ele foi nomeado, no início do governo. Mando um link da matéria para você.

Os diálogos não são pura ficção. As Redações funcionam, em alguns momentos, como espaçonaves em órbita, com lógica própria, descoladas da realidade.

O que adianta publicar, antes de todo mundo, a crítica de um longa e não dizer nada quando ele passa no cinema do shopping? Quem se lembra da trigésima denúncia de corrupção, a não ser quando o político está sob fogo cerrado?

A síndrome do "já demos isso" baixou na Folha outra vez na terça-feira passada. O jornal noticiou mal a previsão de que o Brasil vá se tornar, neste ano, a sexta economia mundial, passando o Reino Unido. A única reportagem falava mais da repercussão do estudo do que dele propriamente, sem nem um quadro com o ranking dos PIBs.

A justificativa: "já demos isso". De fato, em outubro, a Folhapublicou projeções do próprio FMI que apontavam a possibilidade de os brasileiros ultrapassarem os britânicos. Os dados saíram no mesmo domingo em que o ex-presidente Lula anunciou estar com câncer e não tiveram repercussão -só "The Telegraph" recuperou a informação.

O levantamento atual, noticiado pelo "Guardian", foi recebido com estardalhaço, virou manchete nos concorrentes da Folha, saiu no exterior ("El País", "Le Monde", "Financial Times") e motivou uma entrevista do ministro da Fazenda.

Na hora do "buzz", não faz sentido se calar e apostar que as pessoas vão lembrar-se de uma notícia de dois meses atrás. O leitor da Folha não vive em uma bolha alimentado apenas pelas suas páginas. Ele vê TV, navega na rede e, nos casos importantes, espera que o impresso analise e contextualize o fato.

A Redação não vê erro de avaliação no caso do PIB. "A notícia era velha, já tínhamos publicado com destaque em outubro. A consultoria britânica chegou à mesma conclusão, sem acrescentar nada ao que o jornal já havia dado", diz Ricardo Balthazar, editor de "Poder".

Ele acha que o artigo do "Guardian" só ganhou destaque "por causa da seca de notícias". Foi o que Vinicius Torres Freire chamou de "ninharias midiatizadas" na "leseira noticiosa de finais de ano".

Pode até ser, mas ele dedicou duas colunas ao assunto, explicando ao leitor a (ir)relevância de a economia nacional galgar mais um posto. Fez o que se espera do jornal, em vez de ignorar o assunto, porque, afinal, "já demos isso".

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