Jornalistas sem edição
"Os Imperfeccionistas", primeiro romance de Tom Rachman, revela humor e melancolia na vida de quem faz um jornal diárioKirsty Wigglesworth/Associated Press | ||
O britânico Tom Rachman, autor de "Os Imperfeccionistas" |
DE SÃO PAULO
Antes de se tornar escritor elogiado pelo romance "Os Imperfeccionistas", que sai agora no Brasil pela Record, o britânico Tom Rachman, 37, trabalhou como jornalista na agência de notícias Associated Press e no diário International Herald Tribune.
Rachman, que, como muitos colegas, alimentava o desejo de se tornar ficcionista, ficou algo assustado com a carreira.
"As pessoas esperam algo de você, imediatamente. Você senta pressionado para escrever uma reportagem, mas a realidade é muito mais complicada que aquilo", disse, em entrevista por telefone, de Londres, onde vive.
"E, então, falam: você tem uma hora, meia hora, dez minutos... E você está cercado de gente raivosa, competitiva, agressiva."
Segundo ele, essa pode ser "a sensação mais terrível do mundo". "Mas, depois de um tempo distante [após abandonar a profissão], percebi que esse universo pode ser também fonte de humor."
"Os Imperfeccionistas" está mesmo cheio de um humor, mas não um humor cômico, antes melancólico. Guarda um realismo ao mesmo tempo fascinante e constrangedor para quem habita o ambiente das redações jornalísticas.
Os personagens do romance, todos ligados ao cotidiano de um fictício jornal internacional baseado em Roma, são figuras complexas, por vezes admiráveis, mas em geral meio ridículas, como quase todo mundo ao ser visto mais de perto.
Os direitos para transformar o livro em filme foram comprados pela produtora Plan B, do ator Brad Pitt, que contratou o roteirista Scott Silver (de "O Vencedor") para adaptá-lo às telas.
LIVROS
Escritor tenta desmistificar jornalistas
Tom Rachman, autor de "Os Imperfeccionistas", usou prática na profissão para criar personagens hiperrealistasReação positiva de colegas do mundo inteiro ao romance fez autor perceber feição universal da carreiraDE SÃO PAULO
Tom Rachman criou o neologismo ao perceber que todos os seus personagens "eram meio imperfeitos".
Quis também, conta, indicar ao leitor que o livro "não era o típico romance com o mesmo chefe atrás de sua mesa, mas um romance de grupo, com histórias separadas".
São 11 capítulos entrelaçados, batizados por manchetes e cada um ressaltando um personagem, cujo cotidiano no jornal é contado em sintonia com sua vida privada.
Há o velho correspondente decadente que, sem conseguir mais publicar reportagens, inventa uma; o obituarista desconsolado pela morte da filha; a editora-chefe que, traída pelo marido, assedia o ex-namorado.
Lá estão o jovem repórter desorientado; a redatora infeliz que vai para um hotel todo Ano-Novo para não ficar só em casa; o editor-executivo workaholic que é traído pela mulher; a diretora financeira seduzida pelo jornalista demitido; o herdeiro que arruína o jornal etc.
Entre cada capítulo, é descrita a história do diário global não nominado -que, apesar das semelhanças, o autor jura não ser inspirado no "International Herald Tribune".
SEMPRE AQUÉM
"O perfeccionista busca um ideal que nunca pode ser realizado. Meus personagens imperfeitos estão constantemente lutando, mas estão sempre aquém", diz o autor.
"Tenho mais empatia com pessoas que tentam o máximo que podem, mas ao final são imperfeitas."
Rachman afirma que usou sua prática na profissão para desmistificá-la. "Geralmente, o estereótipo do jornalista é oito ou oitenta: ou são heróis, revelando escândalos e corrupção, ou são vilões, interesseiros atrás de poder."
"Minha experiência mostra que muito poucos se encaixavam nessas categorias. A maioria eram pessoas simples, mas com feições muito complexas."
O escritor relata que, embora tenha inventado muito, cada personagem guarda um pouco dele próprio. Entre todos, diz se identificar mais com o jovem e atrapalhado aspirante a repórter Winston.
"Minha experiência quando era muito jovem foi parecida, me sentia tão incompetente, sem saber o que fazer. Como Winston, eu gosto das pessoas, mas a realidade costuma ser bem mais difícil."
A reação dos jornalistas ao livro foi, segundo Rachman, estimulante. Ele diz que, antes do lançamento (em 2010), colegas estavam apreensivos, achando que seriam expostos de modo depreciativo.
"Para meu alívio, não tive muitas queixas. Ao contrário, muitos jornalistas que eu não conhecia, de vários países, me procuraram para dizer: 'Eu conheço este personagem, eu trabalhei com esta pessoa'."
Foi aí que ele descobriu algo revelador: "A feição do jornalista típico é muito mais universal do que eu pensava. Achava que o que eu descrevia seria verdadeiro dentro da minha própria experiência cultural, mas não necessariamente em outros lugares."
"Mas ouvi de pessoas de todos as partes -países latinos, escandinavos, norte-americanos etc.- que os personagens condiziam com gente que eles conheciam."
FIM DO JORNAL
Como não vale detalhar o desfecho, basta dizer que "Os Imperfeccionistas" não traz um fim esperançoso para a imprensa tradicional.
O autor acha que o fim do jornal de papel é, como se diz, inevitável?
"Prever o futuro em relação à tecnologia é muito difícil hoje, a mudança é muito rápida. Mas acho muito difícil imaginar um futuro muito longo para o jornal de papel."
"Ele deve continuar a existir como uma forma marginal de informação, para ocasiões em que você não puder ter acesso ao universo on-line."
Rachman considera que o meio e o formato pelo qual se recebe a informação também mudam a própria informação. "Se começarmos a usar mais tablets e celulares, teremos informações mais estreitas e direcionadas, sobre os assuntos que mais nos interessam." (FABIO VICTOR)
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