Tirando a questão política que envolve a Grande e a Pequena Mídia, vale a pena dar uma espiadinha na matéria abaixo publicada hoje no Globo. Reflitam politicamente e questionem o conteúdo do que o Paolo Mieli falou.
'Em busca da verdade, toda fonte é legítima', afirma Paolo Mieli
Por O Globo (internacio@oglobo.com.br) | Agência O Globo – 18 horas atrás
RIO - Ninguém deve ser evitado ou descartado como fonte de informação. Esta é a resposta do jornalista italiano Paolo Mieli, de 63 anos, especialista em estudos sobre liberdade de imprensa, ao recente debate no Brasil sobre a legitimidade do contato entre repórteres e fontes. A polêmica ganhou fôlego depois que gravações da Polícia Federal mostraram telefonemas entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira e um repórter da revista "Veja". Convidado pelo GLOBO para debater "O papel das novas mídias no fortalecimento da liberdade de imprensa", Mieli é categórico ao defender que, na busca pela verdade, não cabe ao jornalista discriminar fontes e que esse contato é legítimo, desde que a imprensa não passe a servir aos interesses destes contatos.
Numa palestra concedida em italiano, com tradução simultânea e mediação dos colunistas Ancelmo Gois e Flávia Oliveira, Mieli - que já dirigiu o "Corriere della Sera" e o "La Stampa" e atualmente é presidente da editora RCS Libri SpA - tratou do impacto da chegada de novas mídias em eventos como os levantes populares que derrubaram ditadores na Primavera Árabe. O jornalista italiano lembra que, apesar de seu perfil imbatível na rápida disseminação de informações, como a convocação para protestos por meio das redes sociais, estas mídias ainda não se mostraram capazes de refletir sobre esses eventos ou de apontar direções para países que ainda tentam encontrar seu caminho para a democracia.
No Brasil a convite do Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro em colaboração com a Associação Cultural Anita Garibaldi, Mieli ressalta que o mar de informações disponíveis para o leitor não exime a imprensa tradicional de seu papel de hierarquizar as notícias e simplificar mensagens. Ao contrário, o excesso de informação disponível só reforça a necessidade de selecionar os fatos que, realmente, interferem na vida do leitor.
Ainda assim, Mieli reconhece que a mudança de hábito do consumidor é irrevogável. Mas, se na Europa o público jovem troca jornais pela busca de conteúdo em tablets, no Brasil ele acredita que a mídia impressa ainda conta com a ajuda do aumento do poder de compra da população, capaz de impulsionar o número de leitores. Com um futuro ainda incerto, para Mieli, o jornal impresso se tornará, no futuro, um símbolo de status, a partir do qual se adquire a visão definitiva de um determinado evento.
A RELAÇÃO COM AS FONTES
"Vou dizer de forma clara: qualquer fonte é legítima. Um jornalista não deve se impor obstáculos na busca por informação, como discriminar se alguém é um mafioso, criminoso ou nazista. Obviamente, isso é válido desde que receba da fonte uma notícia, algo que ontem não se conhecia e hoje você passa a conhecer. É óbvio, também, que a fonte dirá o que convém a ela. Nosso trabalho é encontrar algo a mais. Uma passagem para a verdade se consegue com pequenos detalhes, que, em alguns casos, podem ser obtidos com uma fonte considerada condenável. O problema é quando o jornalista se coloca a serviço de um contato criminoso. O ofício trata de construir a verdade. Ninguém deve ser evitado como fonte. Se você está procurando fatos, deve falar com o mafioso mesmo que a lei o obrigue a denunciá-lo. Nesse caso, você deve violar a lei e pagar as consequências, ainda que isso signifique ser preso."
IMPRENSA INDEPENDENTE
"A partir da década de 70, se consolida um modelo de jornalismo que atinge os interesses constituídos na política e na economia. É nessa fase que ocorre a explosão de casos de corrupção, coberturas como a luta pela Presidência dos EUA, os escândalos sexuais como o de Bill Clinton e Monica Lewinsky, e as relações de Silvio Berlusconi e suas moças.
Os poderes políticos reagem pedindo restrições das leis de liberdade de imprensa. Pedem a imposição de limites, mas com a disseminação da internet, isso faz com que as leis que poderiam limitar a publicação de dados no impresso funcionem como uma barragem para o oceano.
Uma informação livre tem de ser economicamente autossuficiente. Enquanto não houver meios de pagar os jornalistas, não podemos enfrentar sozinhos os gigantes da economia; enquanto não houver forma de enriquecimento na internet, ela pode funcionar como uma armadilha. Temos as ferramentas, a força, as condições de batalhar contra a censura. Mas há o risco de nos condicionarmos pela falta de meios."
JORNALISMO TRADICIONAL
"Os aspectos mais importante no jornalismo tradicional são a hierarquização das notícias e a simplificação da mensagem - a ideia de que ontem as coisas realmente importantes foram tais e tais. Caso contrário, corre-se o risco de passar uma enxurrada de dados, como se houvesse um ouvinte colado ao rádio o dia inteiro. A internet é um meio de informações fragmentadas. Na Europa, muitos ainda assistem ao jornal da TV. É de se estranhar, afinal quem tem gratuitamente informações no computador não precisaria, em tese, assistir. Mas você quer ser um cidadão do seu mundo. E isso se traduz com a definição das coisas mais importantes na avaliação de uma comunidade paga para fazer essa seleção. Se você tentar não ler ou assistir ao jornal, verá que após uma semana não estará entendendo mais nada. Sem a hierarquização da notícia, você se perde. E com um mar de dados é muito fácil esconder informações."
O PAPEL DAS NOVAS MÍDIAS
"As novas mídias têm uma função formidável no que diz respeito à difusão, à velocidade da notícia. Hoje é possível saber em tempo real o que nos interessa nos campos econômico e até revolucionário, no caso dos países da Primavera Árabe. Mas as novas mídias não têm a forte personalidade que há no jornal impresso e na TV. Conseguem fazer explodir uma questão, mas não regem o comportamento de longo prazo, de longa duração. No festejo da revolução árabe, as novas mídias foram insignificantes ou nulas quando se fala em sugerir a construção do que viria depois. No Egito, elas são importantes, mas propõem sempre o mesmo modelo: convocar as pessoas à Praça Tahrir. São muito eficazes pela rapidez, pela técnica peculiar vista principalmente no mundo do Twitter. Mas são nulas a partir do momento em que você precisa parar para refletir."
REPERCUSSÃO GLOBALIZADA
"A sugestão que dou para os jornais brasileiros é buscar a repercussão internacional. Silvio Berlusconi ainda é um homem poderoso. Mas na batalha pela verdade, ele teve de trabalhar muito porque havia uma opinião pública internacional que contava o que na Itália não aparecia na imprensa. Um artigo sobre um tema local no "New York Times", no "GLOBO", no "Le Monde", no "Corriere della Sera" tem um impacto importante."
MUDANÇA DE HÁBITOS
"No início, pensávamos em atrasar o casamento com a internet, mas percebemos que não funcionaria. O que acontece na Europa é irreversível. Os garotos pulam do papel para a internet. Os jovens - e não digo os de 15 anos, mas os de 25 ou 30 anos - ligam o tablet para ver as notícias do dia. Vocês têm uma oportunidade a mais com a grande quantidade de pessoas que passam a contar com meios para comprar jornal todos os dias. Vocês (os diários brasileiros) terão um tempo a mais antes de enfrentar o problema que vivemos."
O FUTURO DO IMPRESSO
"Penso que a situação é difícil para o jornalismo impresso. Durante séculos, o teatro foi a maneira de se expressar, da Grécia antiga até o fim do século XIX. Depois vieram o cinema e a TV. O teatro não morreu, mas não é o mesmo do passado. Ainda hoje, muitos diretores e atores encontram sua consagração passando pelo teatro. Na imprensa pode acontecer algo similar. O papel impresso será algo mais elitista, com menos cópias, mas se um autor quiser contar a fundo a realidade, ele passará pelo impresso. Será onde se adquire a visão definitiva de um evento.
No futuro, as elites vão ler jornal. Uma parte da população encontrará seu status nisso. A leitura do jornal, quando alguém se senta no bar e com tempo curte a informação, é um ritual. Abrir um jornal significa dedicar um tempo à informação. É como os livros que hoje podem ser lidos em tablets. Mas tenho a convicção de que os livros no formato tradicional ainda deverão durar uns 250 anos."
Abaixo a reprodução da página impressa.
Somente para ilustrar o post.
Não é preciso consultar o oftal.
Não dá par ler mesmo