domingo, 13 de maio de 2012

Jornal britânico subverte regras de edição

Interessantíssimo este artigo de Álvaro Pereira Júnior, publicado na Folha de sábado. Leia abaixo e depois clique aqui.

O furacão azul da web

Se o "Mail Online" subverte todas as regras de edição, por que tem uma audiência tão espetacular?


"BABÁ PODE pegar 30 anos de cadeia depois de atacar sexualmente uma menina de cinco anos na casa dos pais dela e transmitir tudo AO VIVO, pelo Skype, para pedófilos."

Atenção, o parágrafo acima não é um trecho extraído de um texto maior. É uma manchete! Isso, manchete, aquilo que, em tese, deveria ser direto, sintético, ter verbo no presente e catar o leitor pelo colarinho.

A manchete escabrosa -na forma e no conteúdo- saiu nesta semana no site do "Daily Mail", jornal britânico "caretaço", a voz da classe média conservadora do Reino Unido.

Um diário tão "coxinha" que foi satirizado por Morrissey, dos Smiths, na letra de "The Queen is Dead", uma crítica à monarquia ("Charles, você nunca teve vontade / de aparecer na capa do 'Daily Mail' / vestido com o véu de noiva da sua mãe?").

Mas se o jornal é tão bege, por que deu, na internet, uma manchete barra-pesada como a do início deste texto? E por que o "Mail Online" é assunto desta coluna?

Porque o "Daily Mail" deixou de lado o ranço e a opacidade que tem no papel e se transformou em um fenômeno da internet. É, desde fevereiro passado, o site de jornal mais lido da língua inglesa. Deixou para trás um parâmetro de qualidade jornalística, o site do "New York Times".

A fórmula desse sucesso é totalmente inusitada.

1) Mandou para o quinto dos infernos regras básicas de diagramação e edição. A home page é uma zona, cheia de títulos compridos, quase sempre em azul, e praticamente sem hierarquia de assuntos.
2) O "Mail Online", da internet, não tem quase nada a ver com o "Daily Mail" impresso. É feito por outra equipe, com outro editor-chefe e outra pegada.

Se o "Daily Mail" das bancas fala de política, tem um viés xenófobo e cobre celebridades com certa discrição, o "Mail Online" está pouco se lixando para política e dedica um espaço enorme às fofocas -uma longa coluna, fixa, à direita de quem olha para a home page.

Também capricha nas reportagens policiais e de comportamento, além de muitas notas bizarras. É divertido, leve. Seus textos, tantos deles irresistíveis, são reproduzidos no mundo inteiro, nem sempre com o devido crédito.

Também sabe surpreender: pesquisando para esta coluna, encontrei uma longa reportagem, muito bem escrita e apurada, sobre a herança de Malcolm McLaren, o criador do punk inglês. Poucas horas antes de morrer de um câncer muito raro, McLaren assinou um documento em que deixava seu único filho fora da partilha de bens.

O filho, multimilionário empresário de moda, nem precisaria do dinheiro. Mas McLaren fez questão dessa última crueldade. Aprendi no "Mail Online". Mas desculpe pela digressão. Falávamos do sucesso do "Mail" na web.

O caos da "home" é o que mais chama a atenção. Primeiro, porque ela é imensa. Você vai descendo o cursor, descendo... E não acaba nunca.

Segundo, porque não tem hierarquia, ou, se tem, segue regras indecifráveis. Começa com uma manchete, depois assuntos embaralhados, depois outra manchete, em seguida mais assuntos misturados, aí outra manchete, outro "mélange" de editorias, e assim vai.

É básico no jornalismo: editar é hierarquizar. Diante de uma gama de assuntos e reportagens, e de uma página em branco, cabe ao editor decidir qual o principal assunto, qual foto merece o maior espaço, se essa foto estará ligada ou não à reportagem mais importante, e quais os temas menos relevantes/impactantes a serem publicados em tamanho menor, ou mais abaixo na página.

Isso vale para veículos impressos e on-line (em TV e rádio também, mas com uma lógica um pouco diferente). A home page do "New York Times", por exemplo, é uma aula de clareza e hierarquização, facilitando a vida do leitor.

Mas, se o "Mail Online" subverte tudo isso, por que tem uma audiência tão espetacular? O editor-chefe, Martin Clarke, fiel à tradição dos tabloides ingleses de fazer jornalismo com o fígado, não com o cérebro, disparou à revista "New Yorker": "Nosso site quebra todas as regras dessa tal usabilidade porque somos 'user-friendly' para pessoas normais, não para fanáticos de internet".

Diante de tanta audiência, não há como negar-lhe razão. O "Mail Online" pintou a internet de azul.

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