quarta-feira, 23 de maio de 2012

Entretenimento é uma coisa, Jornalismo é outra

Recomendo a leitura do texto do Fernando Molica publicado hoje no Dia.


Fernando Molica: O craque miúra que não quis brincar

Rio -  Não basta fazer três gols num jogo, é preciso participar do tal quadro de pedir música criado pelo ‘Fantástico’. Herrera — jogador que vai a campo como um miúra disposto a fazer picadinho do toureiro — não quis participar da brincadeira e acabou sendo xingado na Internet por um outro repórter da emissora (o colega, depois, pediu desculpas ao argentino).

A polêmica despertada pelo gesto até banal do jogador — o de se recusar a participar de uma jogada promocional — está ligada a uma questão maior, a confusão entre jornalismo e entretenimento. Faz parte do ritual esportivo que, ao final de um jogo, atletas parem para dar entrevistas, não custa quebrar o galho dos repórteres. O problema é que, de uns tempos para cá, a necessidade de se ampliar a audiência estimulou a criação de artifícios como aquele constrangedor João Sorrisão: muitos jogadores toparam brincar; outros, não. Mesmo fora do esporte proliferam programas que têm um pé no jornalismo e outro no espetáculo. Na prática, aplicam a velha Lei de Gérson para tentar levar vantagem em tudo. Usam um formato jornalístico para compor um roteiro humorístico, baseado na lógica do show. Quem reage às abordagens acaba sendo acusado de ter cometido um atentado contra a liberdade de imprensa.

TVs, rádios e jornais têm o direito de valorizar o espetáculo, de criar elementos que atraiam o público. Ao inventar um novo jeito de apresentar os gols do ‘Fantástico’, o Tadeu Schmidt conseguiu a simpatia de quem não consegue ver graça naquele bando de gente correndo atrás de uma bola. O programa, por sinal, teve jogo de cintura no caso Herrera, a situação foi tratada com bom humor. Mas o episódio deixou claro que há sempre um risco em situações semelhantes — o pedir música não faz parte da cartilha jornalística, está mais no campo do entretenimento. O Herrera, um profissional como qualquer um de nós, pode não querer brincar depois de cumprir uma exaustiva jornada de trabalho. Afinal, a câmera que acaricia é a mesma que apedreja jogadores com a divertidíssima seleção dos inacreditáveis gols perdidos.

No fim das contas, a reação mal-humorada do jogador do Botafogo deixa uma lição. Ninguém está impedido de tentar arrancar de um entrevistado uma declaração que fuja aos padrões jornalísticos, mas é bom estar preparado para um troco imprevisto. É aquela história: quem não sabe brincar não deve descer pro playground.

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