Limites da biografia
RIO DE JANEIRO - Desde que me dediquei a escrever biografias, descobri que nenhum biografado vivo é confiável. Por estar vivo, ele terá de servir de fonte a seu próprio respeito -mas, por ser muito vivo, mentirá ou omitirá informações importantes e influenciará outros a fazer o mesmo. Pior ainda: por continuar vivo depois do livro pronto e por estar sujeito às cascas de banana que a vida nos joga, poderá cometer algo que contrarie esta biografia. E, com isso, adeus, livro ou autor.
Vide a biografia de Woody Allen, por Eric Lax, lançada em 1991.
Quando ela saiu, Woody era amado como artista e pessoa, e o livro era perfeito. Em 1992, veio o escândalo envolvendo-o com Soon-Yi, enteada de sua mulher, Mia Farrow.
A unanimidade trocou de sinal, e Woody passou a ser odiado. Bem, isso foi há 20 anos. Woody continua casado com Soon-Yi, o que, de certa forma, o absolveu. Lax não se deixou derrubar, mas seu livro tombou pelo caminho.
Uma mesa na recente Bienal do Livro, em Brasília, discutiu os limites da biografia, perguntando até que ponto elas são "definitivas". A conclusão foi a de que nenhuma é, esteja o biografado morto ou vivo. Concordo. Mas, dependendo de como é feita, pode-se chegar muito perto.
Se o biógrafo se dedicar ao biografado por um mínimo de três anos "full-time" e ouvir pelo menos 200 pessoas -e, algumas, tantas vezes que a média entre elas costuma dar cinco-, tem-se que o autor terá feito mil entrevistas (ao vivo ou por outros meios). É inevitável que, por mais oculto, tudo de significante na vida do biografado apareça.
Há dias, fui honrado com a possibilidade de biografar Millôr Fernandes. Recusei -porque acho cedo para isso. Nesse momento, Millôr não tem um só defeito. E todo biografado, por maior que seja, precisa de defeitos que o redimam.
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