domingo, 17 de junho de 2007

A volta do chutômetro


Semana passada postei um blog chamado "Calculando multidões" sobre a passeata gay em São Paulo. Cheguei a comentar com o meu camarada ombudsman da Folha, Mário Magalhães, que sabe das coisas. Hoje ele abre a sua coluna na Folha com o belo texto abaixo. É bom saber que a gente está vendo o mesmo que as "feras" do Jornalismo estão vendo.

A volta do "chutômetro"

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É compreensível que organizadores de eventos, como a Parada Gay em São Paulo, batalhem por seus números; o errado é a Folha adotá-los --------------------------------------------------------------------------------

ANTES QUE a chuva desabasse, no fim da tarde de 18 de setembro de 1992, os animadores do comício pelo impeachment do presidente Fernando Collor alardearam a presença de quase 1 milhão de manifestantes no Anhangabaú.
Para a Polícia Militar, a audiência era de 650 mil. A Folha cravaria a marca de 70 mil, fundamentada em levantamento do Datafolha.
O instituto mapeara o vale, em São Paulo, medira as áreas ocupadas e observara a densidade (de duas a seis pessoas por metro quadrado).
A estimativa de multidões exige rigor, preconiza o "Manual da Redação": "Em evento importante, usar método científico de medição do local, com assessoria do Datafolha".
O jornal desafiou o bom senso ao sustentar, na última segunda, que a Parada Gay mobilizou na capital paulista o equivalente a 50 atos como o do auge dos caras-pintadas.
Junto a uma fotografia mostrando um mar de gente, a primeira página anunciou: "Parada Gay em São Paulo tem público recorde". Complemento: "Segundo cálculos dos organizadores, o evento reuniu 3,5 milhões de participantes".
O Folha deu o crédito para a organização, mas aceitou a conta, ao confirmar o "recorde". Cotidiano abraçou o número: "Parada Gay cresce; diversão e problemas, também". Por que cresceu? Porque em 2006 a avaliação "oficial" foi de 3 milhões.
Leitores apontaram a inconsistência. Na terça, o "Painel do Leitor" publicou carta de Adelpho Ubaldo Longo. Ele considerou a extensão e a largura da av. Paulista, com seis indivíduos por metro quadrado. Resultado: presença máxima de 806.400 pessoas.
Não havia aquela concentração na Paulista. E, na verdade, a parada tomou também a rua da Consolação. Para a Folha, ela se estendeu por 3,2 km. Mas não há como afiançar os 3,5 milhões.
Os promotores falam em somar o público circulante e o do entorno do trajeto, mas não empregam método científico. É compreensível que eles batalhem por seus números. O errado é a Folha adotá-los.
O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, confirma as conclusões do leitor. Sobre o público total, ele diz: "Só poderia afirmar com certeza se tivesse aplicado o nosso método". As medições do Datafolha foram feitas de 1985 a 2000.
A Redação lembra que creditou aos organizadores a projeção. Diz que o testemunho de repórteres e a comparação de fotos "parecem dar razão a todos que afirmam que o evento de 2007 foi o maior".
Ou seja: dispensou o procedimento determinado pelo "Manual". Por que a Folha o abandonou? Responde a Redação: "Por que os custos de medição são muito altos. [...] Tal investimento só se justifica quando a precisão da estimativa se mostrar indispensável para a avaliação da importância jornalística de determinado evento".
Pois era o caso da parada, de repercussão mundial. O jornal deveria resgatar o Datafolha para medir multidões. Em um texto de 1989, a Folha chamou cálculos alheios de "chutômetro". Hoje pode assegurar que não divulga chutes?

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