domingo, 11 de maio de 2008

Dilma e o ombudsman


Simplesmente imperdível a coluna do ombudsman da Folha de S. Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva.

Leituras de fotos e fatos

O caso do dossiê tem sua importância; só creio não ser tão grande a ponto de merecer o rio de tinta que já se gastou na exploração de detalhes.

TALVEZ ninguém tenha entendido mais de leitura do que os grandes escritores.

Marcel Proust dizia que "cada leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo".

Jorge Luis Borges ressaltava a autonomia absoluta do leitor, a certeza de que o texto não depende só de quem o constrói, mas também de quem o lê.

Há inúmeros estudos científicos sobre recepção dos meios de comunicação de massa que comprovam a hipótese dos romancistas. A mesma mensagem é compreendida por diferentes indivíduos de maneiras muito diversas, às vezes antagônicas, entre si.
Esta semana, leitores da Folha deram nova demonstração de que esta interpretação do fenômeno da leitura é provavelmente correta. Um mesmo editorial, "Revés da oposição", sobre o depoimento da ministra Dilma Rousseff ao Senado, na quinta-feira, despertou reações opostas.

Houve quem o considerasse exemplo de que a imprensa está inteira a favor do governo federal, inclusive a Folha. Outros, em maior número, acharam que ele reforça o caráter de oposição à administração Lula que vêem no jornal.
A cobertura da fala da ministra e a manchete de sexta-feira, com novas revelações sobre o caso do dossiê dos gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, reavivaram o assunto, que estava algo adormecido.

Quando o episódio do dossiê teve início, este ombudsman era apenas leitor. E a minha leitura era a de que se estava fazendo muito barulho por nada ou pelo menos por muito pouco.
Mantenho este ponto de vista. Em minha crítica interna de sexta-feira, afirmei que as questões indígenas e de conflitos de terra na região Norte "são mais relevantes para a nação e deveriam ocupar o espaço de honra que é concedido às futricas político-partidárias que, a meu ver, não levam a coisa nenhuma a não ser ao acirramento do ódio irracional e imaterial que grassa entre petistas e tucanos especialmente em São Paulo."

Claro que o assunto tem a sua importância relativa. Só que não creio ser tão grande a ponto de merecer o rio de tinta que já se gastou na exploração de meandros detalhados sobre seus atores e motivações.
Acho que a Folha, ao tratar do tema esta semana, cometeu erros jornalísticos, independentemente da avaliação do valor intrínseco do assunto. A chamada da primeira página de quinta-feira, como ressaltei na crítica interna, estava excessivamente editorializada.

Havia advérbios e adjetivos demais para texto noticioso. Se queria apontar contradições da ministra ao longo do tempo, o jornal podia tê-las relatado com a reprodução de suas falas e as datas em que foram feitas.

A foto da capa de quinta também provocou leituras distintas, muitas iradas. Mas neste aspecto não acho que tenha havido erro. A foto mostra uma ministra enfática, irritada, na ofensiva.

A imagem retratava provavelmente o momento mais destacado do seu depoimento, quando respondia à provocação descabida e ofensiva que lhe fizera o senador José Agripino Maia.
Era uma ilustração do fato do dia. Na sexta, a ministra esteve com o presidente Lula em solenidade amena. E a Folha publicou, na edição nacional, foto dela, sorridente e simpática. Era a ilustração do fato do outro dia.
Depõe contra o espírito de isenção do jornal, entretanto, que essa foto de sexta tenha sido substituída, na edição São Paulo, por outra, com Dilma e Lula em momento de aparente enfado.

Toda leitura é possível, como ensinam Proust e Borges. Mas vai ser difícil achar quem leia, nessa alteração editorial, um gesto de simpatia à ministra.

FRASES DE LEITORES

"O editorial ... é digno de ser um editorial do jornal oficial do PT. Estou desesperançado e decepcionado com essa imprensa uníssona a favor do governo"
(Genaro A. P. Salles)

"Na capa ... temos uma foto da ministra Dilma Rousseff que tem, indubitavelmente, o propósito de ridicularização"
(Jerson A. Prochnow)

Um comentário:

Flor Baez disse...

Marcel Proust dizia que "cada leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo"

E Thomas Hobbes já dizia: Lê-te a ti mesmo