Oswaldo Munteal, professor gente boa da FACHA, da PUC e da UERJ, e, ainda por cima, botafoguense, mandou o artigo abaixo e disse que fazia questão que fosse publicado aqui no blog. Para mim é uma honra.
A OPERAÇÃO ESCORPIÃO E O ANTÍDOTO DA HISTÓRIA
Oswaldo Munteal*
“O critério de utilidade essencial para tal ou qual veneno, criado no laboratório, era sempre o mesmo: inodoro e sem gosto, ele não deveria deixar nenhum vestígio no organismo, de forma que não fosse identificado nem pela vitima, nem pelos peritos que analisassem as causas do óbito.” Arkadi Vaksberg. O Laboratório dos Venenos: A Indústria do Assassinato Político. Nova Fronteira. RJ. 2008.
Jango foi eliminado através de envenenamento pelos próceres da ditadura militar de 1964, contando com o apoio direto dos EUA. Para muitos ainda é difícil aceitar, pois o impacto de décadas de repressão ainda não foi devidamente apurado e assimilado pela consciência do povo brasileiro. A nossa memória encontra-se num lugar recôndito do inconsciente coletivo. A Sombra, conceito consagrado pela psicologia, pesa sobre a nossa identidade, a partir da negação dos nossos complexos, comprometendo de forma aguda a sociedade brasileira na sua busca por um horizonte de sentido voltado para a questão nacional e popular.
Fica uma pergunta: estamos preparados para enfrentar as feridas e olhar para dentro? Investigar as entranhas da nação destruída em 1968 com o Ato 5? Os indícios se transformaram em elementos concretos com as últimas pesquisas que estão sendo realizadas nos arquivos que tratam do governo e do exílio de Jango, e que foram recentemente incorporados ao acervo do Instituto Presidente João Goulart, e nos documentos recentemente desclassificados, ou seja abertos a consulta pública, pelo Ministério das Relações Exteriores. O cruzamento de informações converge para os esclarecimentos prestados por Neira Barreiro. O agente uruguaio, ligado à Operação Condor vem inclusive solicitando proteção diante das ameaças que vem sofrendo na prisão face ao seu depoimento à Polícia Federal.
A chegada ao poder de uma nova onda reformista na América Latina reacendeu o desejo de apurar o movimento de extermínio das principais lideranças carismáticas e populares do continente nos anos 60 e 70. O terrorismo de Estado grassou entre 1968 e 1980, com graves conseqüências para a democracia brasileira no presente, devido ao caráter institucional da ditadura.
O golpe de Estado constituiu um fenômeno político-institucional por excelência. Nesse sentido determinou que suas lógicas, infra-estruturas, órgãos e pessoal treinado fossem projetados para romper com a ordem constitucional e democrática preexistentes, e reestruturou todo este conjunto com objetivos autoritários. A investigação sobre o período que vai de 1968 até 1980 deve seguir os caminhos das pesquisas realizadas no Uruguai, Argentina, Chile, e agora com o presidente Fernando Lugo inventariando o governo de Strossner no Paraguai após 63 anos de partido único. A análise sobre o assassinato do ex-presidente João Goulart parece-me fundamental a fim de penetrar a fundo na memória nacional.
O desaparecimento forçado de pessoas nesta época aparece claramente nos documentos oficiais e os indícios mostram que a liquidação de Jango também. Os registros, como telegramas diplomáticos aparentemente inofensivos, recomendações de próprio punho em ofícios e memorandos, recomendavam aumentar a pressão sobre o presidente. A troca de substâncias altamente tóxicas integrava o esquema de assassinatos da Operação Escorpião, braço brasileiro da Operação Condor.
Durante o governo do General Geisel e com a orientação do ex-ministro da Justiça Armando Falcão, a ordem era controlar a vida de Jango no exílio em todos os seus passos. Segundo fontes documentais o cuidado maior era no sentido de não torná-lo um mártir, operando no desgaste cotidiano, agindo com pequenas e grande traições, infiltrações do SNI, com a cooperação da CIA, e a participação ativa, concreta e indiscutível de um profissional conhecido como “Agente B”. Há suspeitas, inclusive, no que diz respeito à troca dos frascos dos remédios do ex-presidente por substâncias altamente tóxicas.
Jango vinha numa melhora no seu quadro de saúde, tendo recuperado as forças internas quando foi mais uma vez golpeado. Nesta data, 1 de março de 1976, aniversário do ex-presidente, a conspiração foi urdida e todo o plano de execução preparado. O infiltrado conhecia a família, os amigos, visitantes eventuais, funcionários da estância e hábitos privados de Jango. O ex-presidente, que se encontrava na fronteira do Uruguai com a Argentina, em certo momento até aceitava abrandar as críticas aos militares na hipótese de voltar ao Brasil, mas não renunciar a agenda que consagrou as reformas de base. Quanto vale dar fim à utopia das reformas? O vôo rasante do Condor selou o destino de Jango e mergulhou o Brasil num caminho aparentemente sem volta para as reformas estruturais.
O trabalho de pesquisa que empreendemos em equipe neste momento, refere-se ao registro detalhado da acumulação de dados sobre as pessoas e grupos, análise da inteligência e as operações da repressão, os lugares de reclusão dos clandestinos, transportes secretos, e as justificativas frente às denúncias sobre as violações aos direitos humanos. Elaboramos um método analítico de investigação histórica, que não nos permita, em hipótese alguma, a isenção, mas a capacidade de indignação viva, com o máximo de conteúdo a fim de dar conta de uma realidade que cada vez se torna mais complexa.
*Pós-doutorando e pesquisador da EBAPE/FGV; professor da UERJ, PUC-Rio e FACHA
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