Não morro de amores por editoriais. Leio de vez em quando, passo os olhos sempre. Mas o da Folha de hoje pode servir de pesquisa para algum colega ou aluno.
Lei de Imprensa
STF deveria manter o núcleo vivo da lei de 67, enquanto Congresso acelera trâmite de novo estatuto para a imprensa
A SUSPENSÃO , em caráter provisório, de 20 artigos da Lei de Imprensa e o advento de métodos orquestrados para cercear a liberdade de expressão recolocaram na ordem do dia a necessidade de formular uma legislação moderna e democrática para a imprensa. Diante do risco de que se crie um indesejado vácuo jurídico, o trâmite de uma nova lei deveria ser acelerado.
Uma respeitável corrente de opinião advoga a simples extinção da Lei de Imprensa, de 1967, sem que nenhuma legislação seja colocada no lugar. Argumenta que toda tentativa de regular a atividade jornalística acabará criando controle excessivo sobre o direito à informação, pilar da democracia.
De fato, parlamentares e governantes constituem alvo preferencial do escrutínio da mídia independente -cuja principal função é fiscalizar o poder. Se o interesse dos poderosos, de controlar a informação em proveito próprio, imperasse no espaço público, qualquer tentativa de legislar sobre o tema seria temerária.
No entanto, preceitos constitucionais, decisões judiciais reiteradas, décadas de prática de jornalismo livre e valores democráticos já enraizados na opinião pública ajudam a conter, sem apagar, o interesse egoísta de quem detém poder.
A Lei de Imprensa deixou de ser a principal ameaça à liberdade de expressão no Brasil. Criada por uma ditadura, seu objetivo central era controlar a informação pela coação legal, imposta a veículos e profissionais. Nem todos os 33 artigos do código de 1967, entretanto, correspondiam a pressupostos de tutela.
Os dispositivos mais autoritários da Lei de Imprensa passaram a ser ignorados nos tribunais a partir da redemocratização de 1985. O que restou do diploma hoje propicia alguma segurança jurídica a cidadãos, empresas e jornalistas, sem ameaçar direitos fundamentais.
Já nos códigos cuja aplicação seria alargada no caso da abolição da Lei de Imprensa, há mais incerteza. Em todas as democracias modernas existe um conflito clássico entre dois valores fundamentais: o direito à informação, de um lado, e os direitos ligados à personalidade, do outro. As constituições resolveram o dilema conferindo primazia ao primeiro termo, em nome do interesse público. Como contrapartida, criaram mecanismos para reparar excessos cometidos no livre exercício da imprensa.
Isolados, os parâmetros dos códigos Civil e Penal são impróprios quando invocados para avaliar a atividade jornalística. Tendem a atribuir valor absoluto à garantia da honra, da intimidade e da privacidade das pessoas.
A Carta de 1988 diz que não haverá censura prévia, embora artigos do Código Civil de 2002 a permitam. Daí a necessidade de uma lei de imprensa, que venha restaurar a hierarquia constitucional: juízes não podem praticar atos de censura prévia, ainda que seja no intuito de defender os valores da personalidade.
Sem lei de imprensa, só grandes empresas teriam boas condições de proteger-se da má aplicação da lei comum, levando processos até as mais altas instâncias do Judiciário. Ficariam mais expostos ao jogo bruto do poder, e a decisões abusivas de magistrados, os veículos menores e as iniciativas individuais.
A fiscalização de tiranetes e oligarcas em regiões menos desenvolvidas do país ficaria mais vulnerável. Tampouco haveria o devido amparo legal à efervescente "imprensa cidadã", que dissemina blogs pela internet -inovações que merecem ter proteção especial da lei de imprensa quando revestirem caráter jornalístico.
Para evitar riscos desse tipo, o Supremo Tribunal Federal deveria manter de pé o núcleo vivo da Lei de Imprensa no julgamento que fará do diploma nos próximos meses. Seria uma atitude desejável de prudência, embora insuficiente diante das ameaças que surgem por outras vias.
Tornou-se inadiável instituir um novo marco regulatório, amplo e atualizado, para a imprensa. Deve-se buscar um estatuto intransigente, ao vetar as formas insidiosas de censura prévia; sem compromisso com o erro, ao acelerar o trâmite do direito de resposta e dos processos de quem se sinta ofendido por publicações; moderno, ao proteger as inovações do jornalismo na internet, prevenir o abuso nas reparações em dinheiro e inibir o uso orquestrado da Justiça para assediar empresas e jornalistas, a chamada litigância de má-fé.
O interesse público de conhecer a verdade, de ter acesso à diversidade de opiniões e de questionar o poder precisa da proteção de uma nova lei de imprensa. O Congresso não deveria furtar-se à tarefa de confeccioná-la.
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