segunda-feira, 30 de junho de 2008

O jornal e o futebol



Como sempre, vale a pena ler a análise do ombudsman da Folha. Aula de Jornalismo.

Notícias no país do futebol
Carlos Eduardo Lins da Silva

É evidente que não pode competir com outros veículos em velocidade e atração imagética, ainda assim o jornal insiste nas velhas fórmulas

DEPOIS de reclamações de ordem político-partidária, o maior volume de queixas que chegam ao ombudsman diz respeito à cobertura esportiva do jornal, particularmente à de futebol. São, em geral, torcedores revoltados com o que consideram atitude preconceituosa contra seu time de preferência.

Aliás, não é à toa que esses são os dois temas que mais mobilizam a emoção dos leitores em relação ao jornal. Já quase virou lugar-comum dizer que a luta entre PT e PSDB virou uma espécie de Fla-Flu.

Infelizmente para o país, como adverte José Miguel Wisnik no livro indicado ao lado, "os Fla-Flus podem ser tão estimulantes e interessantes no futebol (onde o próprio jogo se encarrega de reverter de alguma forma a paralisia dos opostos) e tão nefastos na vida intelectual, onde imobilizam e esterilizam o pensamento".

A cobertura de esportes é uma das áreas que mais sofrem nos jornais impressos as conseqüências do novo ambiente da mídia. A TV paga, com seus canais dedicados 24 horas diárias a esportes, os blogs especializados, a informação via internet, tudo isso exige do jornal impresso uma nova atitude se quiser manter a atenção, o interesse e a lealdade do leitor.

É evidente que ele não pode competir com os outros veículos em velocidade e atração imagética. Mesmo assim, continua insistindo, muitas vezes, nas velhas fórmulas.A ilustração fotográfica não pode se limitar a reproduzir estaticamente o que o torcedor viu dezenas de vezes em movimento e câmara lenta na véspera. Ela tem de ser capaz de sintetizar o significado do jogo em alguma cena que as câmeras de televisão por qualquer motivo não puderam registrar ao vivo.

Quanto aos textos, não devem em nenhuma hipótese só descrever o que o leitor já viu muitas horas antes. Precisa ir atrás do detalhe, da informação exclusiva, da opinião avalizada, do enfoque original, do anúncio de novidades.

Há 20 anos, a Folha inovou a cobertura esportiva com a adoção de estatísticas detalhadas das competições. A TV absorveu isso rapidamente. Agora, não é mais um diferencial.

Pelo mundo, claro, também se discute o que fazer com os esportes nos jornais. O caráter cada vez mais mercadológico da atividade -que até ameaça seus princípios básicos- tem feito com que alguns diários pelo mundo incorporem a cobertura de esportes à de economia e negócios. Pode ser uma saída.

Mas no Brasil, ao menos em futebol, o que mais interessa é o jogo em si. Por isso, o importante é investir em talento e inteligência. A Folha já tem excelentes colunistas, que fazem a sua parte. Precisa pensar mais em como superar as dificuldades no noticiário.

Embora não seja um jornal nacional (não há nenhum desse tipo no Brasil), este tem repercussão em todo o país. Por isso, é necessário conter seu natural bairrismo e dar mais espaço ao que é importante em outros Estados.

Também tem de se esforçar para buscar o inusitado, esclarecer o que ocorre nos bastidores, superar em qualidade de análise e informação a rapidez e superficialidade dos meios adversários.

Isso vale não apenas para o futebol, mas para todas as modalidades. Um leitor fã de Fórmula 1 tem cobrado uma cobertura menos ingênua e mais crítica da política interna das grandes escuderias e ele tem razão em suas queixas. É difícil, mas precisa ser feito.

E, ao mesmo tempo, ainda há a permanente busca da imparcialidade possível.
Vêm aí os Jogos Olímpicos de Pequim, mais um grande teste para o jornal mostrar ao leitor a sua contínua utilidade.

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