domingo, 1 de junho de 2008

O ombudsman, o diplomata e o militar

Diplomata, não militar
Carlos Eduardo Lins da Silva (ombudsman da Folha em sua coluna de hoje)

O ombudsman é alguém à procura de soluções mutuamente satisfatórias para as partes em desacordo; é agente da conciliação, não do litígio

ENCERROU-SE ontem em Estocolmo a conferência anual da ONO (Organization of News Ombudsmans), que congrega as cerca de cem pessoas que exercem o cargo em veículos de comunicação no mundo.

A capital da Suécia é o local mais apropriado para essa reunião, já que foi naquele país que a palavra nasceu e a função foi criada, em 1713, como explicou Par-Arne Jigenius, ombudsman do diário sueco "Dagens Nyheter".

Charles 12 era rei da Suécia, uma das maiores potências da época, com um território que incluía as atuais Letônia, Finlândia, Estônia, parte da costa alemã do Báltico e parte da Rússia. Ele ficou famoso pelas guerras que conduziu contra a Dinamarca e a Rússia, inicialmente com sucesso, mas encerradas com um revés tão caro ao país, que ele jamais voltou a ter a importância geopolítica que tinha na época.

Quando estava exilado na Turquia, influenciado por experiências similares que ali observara, Charles 12 criou o Gabinete do Supremo Ombudsman. A palavra vinha do sueco umbuds man, que significa representante.

Desde o início, apesar da imponência do título, o ombudsman só tinha poder para receber reclamações do público, investigá-las e enviá-las aos departamentos do governo capazes de resolver soberanamente cada assunto.

Charles 12 era um grande guerreiro. Mas quando resolveu estabelecer o ombudsman pensou como político sobre como conciliar de forma pacífica conflitos de interesses entre os cidadãos e o Estado.

Com o passar dos anos, o cargo inspirou tentativas similares em governos, empresas e, finalmente, a partir de 1967 (no "Courier-Journal" e no "The Louisville Times", em Louisville, Kentucky) em jornais e depois em outros veículos de comunicação.
O ombudsman é alguém que procura soluções mutuamente satisfatórias para partes em desacordo. É um agente da conciliação, não do litígio; promove a harmonia, não o dissenso. Seu modelo é o diplomata, não o militar.

Às vezes, em sociedades que se encontram em momentos de grande excitação ideológica, alguns podem idealizar o ombudsman como o encarregado de atacar, punir ainda que só pela humilhação pública quem consideram inimigos.

Não é isso que ele deve fazer. Não foi para isso que a instituição foi concebida. Nem na esfera do Estado nem na esfera da mídia.

A troca de idéias em Estocolmo entre profissionais de países tão diversos como Brasil, Turquia, EUA, Colômbia, Reino Unido, Estônia, Geórgia, Itália, África do Sul, Suíça, Austrália e Suécia, mostrou que, apesar de diferenças culturais, econômicas, políticas e sociais, a missão do ombudsman de mídia é clara.

Ela tem basicamente três dimensões, todas fundamentais. Uma é mediar os desentendimentos eventuais entre consumidor e produtor de informação. A segunda, estimular o aperfeiçoamento técnico do veículo em que trabalha. A terceira, ajudar a expandir a consciência pública sobre o papel dos meios de comunicação na sociedade e refinar a relação entre eles e ela.

Noutra feliz coincidência do encontro da ONO de 2008, a presidência da entidade é ocupada por uma jornalista de Kentucky, o Estado do sul dos EUA onde o primeiro ombudsman de imprensa trabalhou.

Ela é Pam Platt, do "Courier-Journal". Em seu bem-humorado discurso de abertura da conferência, comparou o que fazem os ombudsmans com recente aventura sua de navegar sozinha num caiaque na Flórida em rio cheio de jacarés. Para se sair bem nas duas situações ela recomenda duas prioridades: nunca parar de remar e conhecer bem o caminho. Um bom conselho.

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