Bela crítica de mestre Alberto Dines no Observatório da Imprensa.
O Globo vai além do papel. E o papel do jornal?
Alberto Dines
Apoiada numa portentosa campanha publicitária, as Organizações Globo relançaram no domingo (21/9) a Infoglobo, empresa que editará o jornalão carioca, seu site, o noticiário via celular e, posteriormente, a CBN e a GloboNews, ambas com projetos multimeios em andamento.
Batizado pela agência F/Nazca Saatchi&Saatchi com um sugestivo apelo – "Muito além do papel de um jornal" – o projeto pretende fornecer informações para o jornal, o site e as operadoras de telefonia móvel. Além do investimento publicitário e a promessa de iniciar imediatamente a transmissão de notícias pelo celular, o projeto não tem novidade.
Todos os grandes grupos de mídia desenvolvem seus esquemas de interatividade. Sobretudo os que se assumiram como parte da "indústria jornalística" e abriram mão da sua função institucional dentro da sociedade democrática.
A filosofia do projeto está expressa com excepcional clareza no material publicitário:
"Hoje a informação precisa estar onde você quiser. Aprofundada. Analisada. Comentada. Por nós. Por seu vizinho. Por você. Por isso, um jornal tem que estar no papel. Na tela. Na sua mão. Tem que estar na cidade. No país. No planeta. On line. On time. Full time".
Isto posto, às indagações: o papel de um jornal seria o meio físico, material, onde está impresso ou está sendo usado como sinônimo de função/compromisso social? Ir "além do papel" traduz uma opção de marketing ou tem algum sentido institucional?
Descendo ao nível técnico: como aprofundar e analisar notícias através do telefone celular? Se os portais dos três jornalões na internet não conseguem aprofundar as matérias saídas no veículo impresso, como esperar que consigam fazê-lo com flashes de algumas linhas na telinha do telefone de bolso?
Cortar custos
A promessa de fornecimento full time também soa enganosa: os mesmos portais sequer conseguem oferecer um serviço noticioso razoável no intervalo entre o fechamento do jornal-matriz (cerca das 22 horas) até a hora em que chega aos leitores (8 da manhã).
Para cumprir as promessas do projeto "Muito Além do Papel de um Jornal" é indispensável investir em jornalismo e jornalistas. Indispensável adotar voluntariamente posturas capazes de restabelecer a credibilidade da imprensa.
Para transformar em pílulas as análises políticas ou econômicas que o leitor espera do seu informador será necessário contratar redatores qualificados capazes de fazer a "compressão" do texto sem a supressão de idéias ou dados.
Investimento em qualidade jornalística é a última coisa que os grandes grupos pretendem fazer. Há 20 anos perseguem, irmanados, um único objetivo: cortar custos, ainda que diminuindo a qualidade.
Os projetos de interatividade no Brasil visam apenas à rentabilização do investimento na redação: sai mais barato contratar um jovem profissional disposto a fazer três versões da mesma notícia do que admitir um jornalista experiente capaz de oferecer um material jornalístico de qualidade, ainda que em formato único.
Idéia abandonada
Estamos diante da reedição da mesma bolha que no fim dos anos 1990 foi soprada pela mídia, certa de que seria a maior beneficiária das novas tecnologias da informação. Estourou antes de encher. Agora a mídia aposta todas as fichas na "interatividade", a mesma coisa com outro nome.
Os grandes grupos midiáticos americanos estão desnorteados – como aliás o país inteiro – e ainda não fizeram as contas nem avaliariam o rombo produzido pela bolha hipotecária que não conseguiram abortar há cerca de dois anos. Não estiveram à altura do seu papel como defensores do interesse público e não sabem o que dizer.
Seus parceiros brasileiros são mais felizes: enquanto o governo diverte-se com o pré-sal, podem divertir-se com novidades e modismos. "Muito além do papel de um jornal" é apenas uma frase de efeito, sem qualquer sentido. Nada acrescenta a uma imprensa que não compete, não disputa e que há muito abandonou a idéia de apostar em excelência jornalística.
De qualquer forma este observador agradece, penhorado, a engenhosa paráfrase do título do seu livro, O Papel do Jornal (1974, Summus, 8ª edição).
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