Publicitários no Festival de Cannes debatem rumos da atividade; em cenário de incerteza, proximidade entre anunciantes e criação, busca por resultados concretos e uso de mídias tradicionais estão em alta
CRISTIANE BARBIERI
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Chaminés gigantescas foram viradas de cabeça para baixo em anúncios e se tornaram turbinas anticrise. Pedaços de outdoors passaram a ser vendidos aos consumidores, para que uma cervejaria pudesse continuar veiculando sua marca. Spots de rádio passaram a vender bilhetes de classe executiva, a preço de econômica, em sonhos de um maluco.
Na mão dos publicitários que mostraram seu trabalho no Festival Internacional de Publicidade de Cannes, a crise, como não poderia deixar de ser, ganhou seu lado mais criativo e até mesmo engraçado.
Descobrir como sair da recessão -e mesmo o que será desse mercado após uma eventual recuperação da economia mundial- é bem mais difícil. "Bem que eu gostaria de saber a resposta", afirma Martin Sorrell, presidente do maior grupo de agências do mundo, o WPP, quando questionado sobre como será o mercado após a crise (leia a entrevista abaixo).
Além de teorizar muito sobre a recessão, os publicitários tentaram buscar pistas sobre o futuro, durante o encontro. Um seminário realizado na sexta-feira, por exemplo, reuniu grandes empresas como Procter&Gamble, Kraft Foods, Johnson&Johnson e McDonald's para discutir a crise.
Segundo os anunciantes, o maior problema não é falta de recursos, mas traduzir os desejos do consumidor -mostrados de todos os ângulos em pesquisas, mas não interpretados corretamente. "Queremos gerar valor para nossos produtos", diz Marc Pritchard, chefe de marketing global da Procter&Gamble. "É preciso que a comunicação interprete e traduza isso para o consumidor."
A insistência das agências em fazer campanhas cada vez mais digitais, integradas, em redes sociais e repletas de novas modas a cada ano, também é apontada pelos anunciantes como exagerada. Os formatos tradicionais de mídia -mesmo nos países maduros- ainda são mais eficientes.
"Em nenhuma dessas salas [do festival] se falou de publicidade tradicional", diz Brian Perkins, vice-presidente corporativo da Johnson&Johnson. "Nós amamos televisão, colocamos um bom dinheiro em mídias tradicionais e vamos continuar a fazê-lo por um bom tempo", observou.
Mary Dillon, chefe de marketing global do McDonald's, concordou com Perkins e disse que a mídia tradicional ainda é o jeito mais eficiente de chegar ao consumidor. "Todos sabem que as pessoas passam cada vez mais tempo no computador", afirmou Dillon. "Mas isso não quer dizer que elas serão atingidas pela publicidade."
Eric Schmidt, presidente do Google, é claro, pensa o contrário. Segundo ele, os consumidores mudaram suas buscas por causa da crise, passam mais tempo pesquisando preços, mas continuam comprando.
"As pessoas deixaram de buscar casas para ir atrás de advogados que cuidarão de suas dívidas e de financiamento para renegociação de hipotecas", diz Schmidt. "Elas estão buscando como resolver seus problemas e também como fazer dinheiro pela internet."
De acordo com Sérgio Valente, presidente da DM9DDB, com a crise, os clientes brasileiros -que já davam prazos restritos- passaram a exigir respostas ainda mais rápidas das agências. "Somos o antiácido da crise", diz Valente.
"Mesmo depois que ela terminar, teremos de ser ainda mais rápidos para ajudá-los em parceria", afirma.
Além do ponto levantado por Valente, Ehr Ray, presidente da Borghierh/Lowe, aponta que também tende a aumentar a cobrança por resultados concretos. Um dos itens de maior peso, durante o julgamento das campanhas em Cannes, foi exatamente o retorno -em vendas, lembrança de marca ou mídia gerada- proporcionado por cada anúncio.
"A proximidade com o anunciante, que se perdeu ao longo dos anos, deve voltar a ganhar força", diz Ray. "Será a volta da dupla anunciante e criativo."
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ENVIADA A CANNES
Martin Sorrell comanda o WPP, maior grupo de agências de propaganda do mundo. São 2.000 escritórios em 107 países, com mais de 135 mil empregados e US$ 15 bilhões em faturamento. No grupo, estão agências como JWThompson, Ogilvy e Hill&Knowlton. Considerado um visionário, Sorrell recebeu a Folha no hotel Carlton, em Cannes.
FOLHA - Como ficará o mercado de publicidade após a crise?
MARTIN SORRELL - Eu bem que gostaria de saber [risos]. Steve Ballmer [presidente da Microsoft] afirmou que o mercado de publicidade, em relação ao PIB, será igual ou menor no futuro. Acho que será igual ou maior.
Depende do que você define como publicidade. Se envolver propaganda e serviços de marketing, como construção tradicional de marca, mídia, relações públicas, pesquisas de mercado, áreas digitais interativas, internet, entre outras, será definitivamente maior. Certamente, esse mercado vai crescer no Brasil, na América Latina, na Ásia, na Europa Central e do Leste, na África e no Oriente Médio. A visão de Steve é mais americana, de um mercado maduro. Nos Brics e no que chamamos de os próximos 11 [mercados emergentes], que respondem por 27% dos nossos negócios, os resultados vão crescer. A Europa Ocidental vai ficar estável, e nos EUA talvez cresçam um pouco.
FOLHA - Sua estratégia de diversificação é regional?
SORRELL - Temos três estratégias de crescimento. Uma é de novos mercados, que respondem por quase 30% do faturamento. Outra são novas mídias, que equivalem a 25% dos US$ 15 bilhões que faturamos ao ano. E, finalmente, entendimento do consumidor. São US$ 4 bilhões de pesquisas. Dados sobre consumidores são cada vez mais importantes.
FOLHA - Se no longo prazo a área vai crescer, como será no curto?
SORRELL - Este ano será muito difícil. No primeiro trimestre, tivemos baixa de 5,8% nos negócios, mas a América Latina teve alta. Em abril e em maio, houve mais pressão na região, mas ainda está estável. Esperamos que o Brasil, neste ano, tenha desempenho estável ou pequena queda. O México, apesar da gripe suína, está indo bem. A Colômbia também, e a Argentina está incrivelmente forte. Crescemos dois dígitos por lá, talvez por causa das eleições. A posição do Brasil no mundo está muito mais forte. Apesar de no curto prazo ser difícil, vamos ver um pouco de recuperação em janeiro de 2010. Vai parecer um pouco melhor porque, na comparação com o ano anterior, a base vai ser fraca.
FOLHA - No Brasil, a mídia tradicional segue muito forte. Quanto tempo isso vai durar?
SORRELL - O Brasil é um mercado dominado pela televisão, mas celulares, PCs e a penetração da internet estão ficando mais importantes. Jornais e revistas sentirão cada vez maior pressão das comunidades on-line e das redes sociais. O Brasil irá se tornar semelhante aos mercados maduros.
FOLHA - As empresas de tecnologia vão avançar na comunicação?
SORRELL - No ano passado, recebi num painel Google, Microsoft, Yahoo e AOL. As empresas de tecnologia ainda não entenderam -ou não querem aceitar- que são empresas de mídia. Elas não são diferentes, na nova área de mídia, de NewsCorp, Viacom, CBS ou Disney. São atores da mídia.
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