domingo, 21 de junho de 2009

"Jornalista sem diploma não tem futuro", Gilberto Dimenstein, na Folha

Boa reflexão.

GILBERTO DIMENSTEIN
Jornalista sem diploma não tem futuro

Gilmar Mendes comparou o jornalista ao cozinheiro; não acredito que um cozinheiro, no futuro, prospere sem diploma

PROFESSOR de Harvard, o psicólogo Howard Gardner ganhou notoriedade mundial ao disseminar o conceito de inteligências múltiplas -em poucas palavras, a inteligência se manifesta das mais diferentes formas, inclusive na habilidade como se move o corpo num campo de futebol.

Veja a renda mendal de jogadores que desprezaram a escola como Adriano (R$ 300 mil) ou Ronaldo (R$ 1,1 milhão) -agora, compare com salário de um professor doutor da USP, com dedicação integral (R$ 6,7 mil). Imagine quantos times de professores seriam necessários para ganhar o salário dos dois jogadores.

O psicólogo afirma que uma das habilidades fundamentais no mercado de trabalho é a "mente sintetizadora". Por isso, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, de permitir que até um jovem com ensino médio (ou menos) trabalhe numa Redação, o jornalista não terá futuro sem, no mínimo, um diploma. Provavelmente o menos importante desses diplomas seja o de jornalismo.

Mente sintetizadora é a habilidade de extrair o que é essencial do amontoado cada vez maior de informações despejada diariamente pelos mais diferentes meios. Para Gardner, o profissional do futuro deverá ter essa "mente" ou, pelo menos, ser assessorado por alguém que a tenha, do contrário tende a ficar paralisado entre as múltiplas alternativas.

Para nenhuma atividade profissional, o desafio de lidar com o excesso de informação (e, portanto, exercer a capacidade de síntese) é tão pesado como para os jornalistas. Afinal, a imprensa é e será o grande filtro, seja no papel, no rádio, nas telas da televisão ou do computador.

O jornal "The New York Times" inventou, no mês passado, um novo cargo: editora de "mídia social". Sua missão: navegar pelo labirinto das redes de internet como Orkut, Facebook, Twitter, além da floresta de blogs, e descobrir informações e tendências. Quem está acompanhando as manifestações do Irã, vê o papel dessas redes diante da proibição de divulgação de notícias.

Não se desenvolve a capacidade de síntese sem um longo treino de associação de dados, ideias e conceitos, o que exige uma vivência de ensino superior, com cargas de leitura e dissertações aprofundadas. Desenvolve-se, aí, a competência para identificar, relacionar e selecionar, a partir de problemas complexos.

Daí que o aluno que passou a vida decorando para fazer provas tem até a chance de entrar numa boa faculdade, mas corre o risco de quebrar a cara no mercado de trabalho.

O fim da obrigatoriedade do diploma responde a essa demanda dos meios de comunicação: a abertura para profissionais ou acadêmicos das mais diversas áreas, especializados em determinados assuntos, capazes de acompanhar melhor a velocidade do conhecimento.

É bem diferente de certos tempos em que se aceitavam, sem maiores problemas, repórteres talentosos para descobrir o futuro, mas incapazes de escrever; havia, na Redação, profissionais pagos para escrever a matéria, chamados "copidesque".

O jornalista de qualidade será obrigado a se reciclar permanentemente, mantendo-se ligado a algum nível de vida acadêmica. É apenas consequência óbvia da era da aprendizagem permanente. Ou seja, um diploma é pouco.

O presidente do STF, Gilmar Mendes, ao justificar o fim do diploma, comparou o jornalista ao cozinheiro. Também não acredito que um cozinheiro, no futuro, prospere sem diploma de ensino superior.

Ao contrário do que se pensa, o fim do diploma deve ajudar os cursos de jornalismo. Basta ler um texto universitário para ver a inviabilidade da linguagem acadêmica na mídia.

Os profissionais que desejarem prosperar numa Redação terão de reciclar sua linguagem e lidar com as técnicas de comunicação; o acadêmico tem a reverência do processo; o comunicador, a do instante.

Minha aposta é que serão criados cursos de curta duração, no estilo sequencial, com foco no mercado de trabalho. Com a decisão do STF, tirando os corporativistas, todos saíram ganhando a começar do leitor.

PS - Minha aposta: os cursos de jornalismo mais procurados serão uma versão um pouco mais ampliada dos treinamentos oferecidos atualmente em jornais e algumas revistas. Ou seja, centrados na prática e no contato com jornalistas em atividade.

Fora disso, é para quem procura fazer teses de doutorado (o que, diga-se, é importante).Ou jogar dinheiro fora. É mais uma pancada contra a praga do corporativismo que, na semana passada, levou mais cutucões, entre os quais a divulgação dos salários dos serviços municipais pela Prefeitura de SP e o anúncio da obrigatoriedade de exames para diretores regionais de ensino e de saúde, além dos diretores dos hospitais da rede pública paulista.

Vamos, aos poucos, aprendendo a valorizar o mérito para defender a coletividade, especialmente os mais pobres. Para completar, alunos se mobilizaram contra a greve na USP.

3 comentários:

Bob disse...

bravo!

Cláudio disse...

Assino embaixo!
Por coincidência postei no meu blog[www.coisasuteiseinuteisdavida.blogspot.com] dois comentários a respeito do tema. Também sou favorável a decisão do STF. Não vejo o pior dos mundos com essa decisão. Pelo contrário.
Cláudio - jornalista/BH

PC Guimarães disse...

Bob e Cláudio: a decisão foi estranha. Muito estranha. Novos Drauzios Varelas virão? Será que o Drauzio cozinha também?
Quem viver, verá e viverá.