quarta-feira, 1 de julho de 2009

Gay Talese no JB: "Internet não é trabalho de gente original"

O jornalismo on-line é o fim da reportagem? O que acha de blogs e do Twitter?

Não acho que acabe com o impresso. Não sei sobre blogs, não uso internet nem celular. Não acredito na tecnologia. É preciso ir ao local. Não dá para comparar uma conversa ao vivo com uma pelo telefone. Você tem de olhar nos olhos da pessoa com quem está falando.

Gay Talese está chegando pra Flip. Pena que não estarei lá. Deu entrevista pro JB para a repórter Marsílea Gombata. Saiu hoje.


RIO - Um faro de repórter aguçado pelo interesse em novas pessoas. É como estará Gay Talese de quarta-feira até domingo. Um dos maiores nomes da Flip, o mestre do new journalism – que mescla técnicas de reportagem com estilo literário – falou ao Jornal do Brasil sobre a curiosidade embalada por arte que o moveu ao longo da carreira, do lado bom e ruim de ser escritor e da incessante busca por uma espécie de “realismo mágico”, presente em histórias que passariam por mentira se não fossem reais, como a trajetória quase ficção de Barack Obama. Avesso a novas tecnologias, o jornalista famoso por perfis de fôlego explica por que o tipo de jornalismo feito em sua época não morrerá tão cedo e se mostra cético em relação à morte da mídia impressa. “As reportagens consistentes não são feitas por meio de blogs, mas por pessoas que deixam o laptop e vão a campo ver como as coisas estão acontecendo”, diz.

Em 'Vida de escritor', lançado aqui em maio, você se desnuda, mostra conquistas e fracassos. O que aprendeu e o que faria novamente?

Meu pai nasceu na Itália e era um grande alfaiate, fazia roupas maravilhosas. Aprendeu a costurar na Itália, não ganhou dinheiro algum como alfaiate, mas era excelente. Ele não foi recompensado financeiramente, mas foi recompensado pelo fato de fazer coisas que eram obras de arte. Eu via como ele trabalhava, suas motivações. Não queria ser alfaiate, mas queria escrever dramas de formas que fossem além do amanhã e do hoje. O jornalismo em sua maior parte é uma profissão muito preciosa. Eu queria ter uma carreira em que eu fosse uma espécie de artesão como meu pai, mas não fosse tão pobre. Então, o jornalismo foi perfeito para mim. Uma das razões é que eu tenho muita curiosidade sobre as pessoas. Não há profissão que se compare ao jornalismo para um curioso que quer saber sobre outras pessoas. E por ser um jornalista você tem a desculpa de invadir a privacidade de outras. Falo com pessoas há 50 anos. Tenho 77; comecei quando tinha uns 26 anos no New York Times. E quando comecei a me preocupar mais, não com o que eu apurava, mas com a forma como escrevia, meu interesse pela literatura ficou mais importante. Eu queria usar ferramentas da ficção, diálogos, narrativas. Queria escrever de uma forma que pudesse ser imaginada. Este livro é sobre o tipo de escritor que sou e ambicionava. É o trabalho de um indivíduo que passa muito tempo entendendo as pessoas antes de escrever sobre elas.

Seu livro é visto por alguns especialistas como compilação de ideias e pedaços de outros que não foram adiante, costurados pela busca por uma ideia genial. O livro, afinal, é uma visão sua sobre a vida?

Sim, é sobre como eu escrevo, como eu consigo fazer as pessoas falarem comigo, como é a minha relação com as pessoas sobre as quais eu escrevo. É sobre como eu escrevo. Muitas pessoas acham que é algo simples, é só sentar em frente ao computador, jogar algumas palavras na tela, mas é muito mais do que isso. Falo dos passos que um escritor tem de seguir. Do lado bom e do ruim da vida de um escritor.

Há grande expectativa em relação à sua vinda. O que conhece do Brasil e qual a ideia que tem sobre o país? No Brasil, a que seu faro de repórter estará atento?

Eu nunca tinha ido ao festival antes, mas já estive no Brasil há uns seis, sete anos. Minha mulher (Nan Talese), que é editora de livros, esteve aqui três anos atrás e me falou sobre o festival. Li muito sobre ele, ouvi escritores que estiveram aqui. Pretendo conhecer pessoas, li as obras de muitas delas e vou ter a oportunidade de conhecer pessoas de todo o mundo, do Brasil, China, França e EUA. É um evento internacional de grandes consequências literárias.

No livro, você descreve conflitos em Selma, Alabama. Para alguém que estudou no Alabama, cobriu isso e viu a questão racial mudar nos EUA, o que representa a chegada de Barack Obama?

A história de Obama parece ficção. Eu tentava explicar a diferença entre ficção e não ficção, mas, se você olhar para a vida de Obama, não consegue acreditar. O pai de Obama o abandonou quando tinha apenas 3 anos. A mãe dele era apenas uma estudante no Havaí e tinha um filho de 3 anos e um marido desaparecido. O marido deixou o Havaí, se apaixonou por uma outra mulher branca e voltou para a Nigéria com ela. Sua mãe então foi para a Indonésia, levando o pequeno Obama com ela, e lá conheceu um homem com quem se casou e teve uma filha. Depois, Obama voltou para o Havaí com a mãe e lá continuou com os avós, brancos, enquanto a mãe retornava à Ásia. A história soa confusa. Que chances esse menino teria de concluir o ensino médio, de virar um viciado em drogas? Que chances pode ter um garoto sem apoio paterno, sem pai, sem padrasto? Esse garoto teria sorte de não ir para a cadeia. Nós só acreditamos nessa história porque sabemos que ela aconteceu realmente. É uma história inacreditável, que se aproxima do realismo mágico. E se você escrevesse um livro de ficção sobre um garoto negro, nascido no Havaí de mãe branca e pai negro, que 40 anos depois se torna presidente dos EUA, ninguém acreditaria. Ninguém publicaria. Barack Obama é realismo mágico. É não ficção. É ficção.

Durante a gestão Bush, você costumava criticar a imprensa. Agora, com Obama, em que temos de nos policiar?

A imprensa no governo Bush devia ser criticada. Ela não fazia um trabalho duro para expor as mentiras da presidência Bush. Entramos em uma guerra no Iraque que foi o maior erro dos últimos 20 anos. Obama é a única esperança de nos recuperarmos dos oito anos desastrosos do governo Bush e seus colegas que fizeram os americanos se sentirem envergonhados. Falhamos em muitos aspectos de uma forma pior do que quem criticamos. Espero estar certo de que esses dias acabaram. Pessoas como eu, nos últimos anos de vida, podem acreditar que viram um milagre com a eleição de Obama.

Lamenta não haver, por tempo ou dinheiro, trabalhos como você muitas vezes fez, de ficar semanas atrás de uma história?

Não acho que sou o último. Há pessoas agora que têm 25, 35 anos que vão continuar a fazer o mesmo que eu fazia. Vão ter de esforçar mais, o que talvez seja um desafio. O bom jornalismo não é coisa do passado. O que é coisa do passado é o número de jornalistas e o número de bons jornais. Ser jornalista é ter de enfrentar competição que não era tão acirrada quando eu era jovem. Mas não acho que seja o fim dos jornais, dos impressos, porque as reportagens consistentes não são feitas por meio de blogs. São feitas por pessoas que deixam o laptop e vão a campo ver como as coisas estão acontecendo para depois relatá-las. Você não pode ser um repórter ficando atrás de um laptop numa sala fechada. Tem de sair, viajar, ver por si mesmo. Esse tipo de repórter não fica obsoleto. É ele que torna os jornais especiais. Internet não é trabalho de gente original, é trabalho de quem pega o que saiu nos jornais e cria o texto usando o verdadeiro trabalho de quem saiu a campo.

O jornalismo on-line é o fim da reportagem? O que acha de blogs e do Twitter?

Não acho que acabe com o impresso. Não sei sobre blogs, não uso internet nem celular. Não acredito na tecnologia. É preciso ir ao local. Não dá para comparar uma conversa ao vivo com uma pelo telefone. Você tem de olhar nos olhos da pessoa com quem está falando.


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