sábado, 10 de novembro de 2007

Imprensa nas bancas com entrevista de Jon Lee Anderson


A revista Imprensa de novembro já está nas bancas. Como sempre digo: embora tenha algumas críticas à revista, acho indispensável a leitura. Destaque para a entrevista com o jornalista americano Jon Lee Anderson. Li dois livros do cara - sobre Guevara e sobre a queda de Bagdá. Eis um trecho:

Jon Lee Anderson, exclusivo: "Nós temos, nos Estados Unidos, a imprensa mais livre do mundo".

"É equivocada essa impressão de que os jornalistas americanos estariam andando de mãos dadas com as tropas americanas no Iraque e pisando naquela montanha de cadáveres espalhados pelo país"

Por Pedro Venceslau, enviado a Porto Alegre

O jornalista Jon Lee Anderson é norte americano, mas passou a maior parte da vida fora dos Estados Unidos. Filho de diplomatas, morou em lugares tão diversos como Coréia do Sul, Colômbia, Taiwan, Indonésia, Libéria e Inglaterra. Começou a carreira em um pequeno semanário peruano chamado The Lima Times, como correspondente na América Central e em Cuba. Em Havana, aliás, Anderson passou vários anos para escrever a mais completa biografia já feita sobre Che Guevara.

Considerado pelos colegas o mais ousado correspondente de guerra da atualidade, Jon Lee Anderson não se furta a falar sobre nenhum aspecto político dos lugares onde esteve. Mas sempre faz questão de deixar claro que não é politicamente engajado. Apesar de crítico contundente do governo Bush, não é de esquerda e defende ardorosamente a mídia do seu país. Sua obra mais premiada, a "Queda de Bagdá", foi elaborada durante os vinte um meses que antecederam a invasão americana, período no qual Anderson acompanhou, sem escolta, a vida de um grupo de iraquianos comuns. Anderson conversou com IMPRENSA durante viagem à Porto Alegre, onde ministrou uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

IMPRENSA - A imprensa norte americana tem feito uma cobertura patriótica e engajada sobre o Iraque?

Jon Lee Anderson - É preciso ter cautela ao avaliar o papel do jornalista que cobre o Iraque. Por um lado, temos que reconhecer que é conveniente para o Pentágono dar acesso aos jornalistas e levá-los junto com as tropas americanas. Isso, de fato, pode fazer com que a imprensa adote uma postura menos crítica. Eles (jornalistas) estão em um país estrangeiro acompanhando as tropas do seu próprio país. Falam a mesma língua dos soldados e têm a mesma cultura deles. Os repórteres vêem militares com 18, 19 anos, que podiam ser seus filhos, serem mortos. Isso cria um vínculo emocional e deve ser levado em conta.

Por causa dessa circunstância, estamos tendo acesso a um quadro incompleto do que está acontecendo lá. A violência faz com que seja muito difícil trabalhar como jornalista independente. Muitos, por razões de segurança, preferem acompanhar as tropas americanas. Estive no Iraque antes de vir para cá (Porto Alegre). Lá, tentei combinar esses dois estilos: jornalismo independente e o incorporado às Forças Armadas. Essa é a guerra mais sangrenta e perigosa que já houve para os jornalistas. Morreram mais jornalistas no Iraque que na Segunda, Primeira Guerra Mundial ou no Vietnã. Se você sai por conta própria, tem que ficar com o dedo cruzado. Pode morrer a qualquer momento. Pode colocar em risco a vida das pessoas que lhe acompanham.

IMPRENSA - Acredita que as notícias que chegam do Iraque são manipuladas?

Jon Lee - Nós temos, nos Estados Unidos, a imprensa mais livre do mundo. A melhor forma de responder a essa pergunta é fazendo outra. Você ouviu falar da prisão de Abu Graib? Como ficou sabendo disso? Eu respondo. Foi por um jornalista norte americano, que trabalha na New Yorker. E sobre Guantanamo? E as imagens de um militar americano atirando em um homem ferido dentro de uma Mesquita em Faluja, há três anos?. Essas cenas foram filmadas por um cinegrafista americano que estava acompanhando as tropas americanas. E assim por diante. Esse é um dos assuntos do qual eu sempre tenho falado. Existe uma impressão disseminada que a mídia americana foi cúmplice dos pretextos que foram usados para justificar a invasão do Iraque. Muitos têm a impressão que, pelo fato do Pentágono incorporar jornalistas, ou fazer eles acompanharem as tropas, eles se prestariam ao papel de mero propagandistas. Por que existe essa crença de que parte da mídia foi cúmplice? Por que meia dúzia de gatos pingados se prestou a esse papel. Mas eles foram denunciados por jornalistas americanos e não búlgaros ou chineses. É equivocada essa impressão de que os jornalistas americanos estariam andando de mãos dadas com as tropas americanas no Iraque e pisando naquela montanha de cadáveres espalhados pelo país. A minha postura pessoal tem sido de, sempre que possível, cobrir a guerra do Iraque a partir da perspectiva do próprio povo iraquiano, sem acompanhar o Exército. Mas tenho colegas que fazem isso, que vão com Exército, e que têm feito excelentes matérias.

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