Um dos textos interessantes publicados no novo livro de Ricardo Kotscho, "Uma vida nova e feliz" (capa abaixo), é o que reproduzo a seguir. Sei que muitos já conhecem, mas é interessante reproduzir nessa época de formaturas. Pra conseguir, bastou digitar no google as primeiras palavras do texto, como alguns professores fazem quando querem pegar "alunos espertinhos" que acham que descobriram a pólvora.
Em leilão, o patrono
Ricardo Kotscho
No último dia do ano, enquanto não chegava a hora de ir com a família passar o réveillon no clube, aproveitei para responder às mensagens dos amigos e leitores que chegam nesta época, desejando o de sempre: paz, saúde, esperança. Em meio aos votos de feliz ano novo, porém, chegou um e-mail de Lúcido da Silva que me deixou pasmo, colocando em xeque (aliás, no caso, em cheque) as esperanças que a gente sempre busca um jeito de encontrar em algum canto do fundo da alma.
São duas cartas. Uma foi enviada pela comissão de formatura dos cursos de Administração, Turismo e Jornalismo, da Faculdade Estácio de Sá, de Santa Catarina, desconvidando o patrono da turma, Rubens Araújo de Oliveira; a outra, a resposta do professor aos alunos. Pelo que ambas revelam sobre o momento que estamos vivendo, achei que vale a pena transcrevê-las na íntegra para que os próprios leitores possam tirar suas conclusões.
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A carta dos estudantes ao professor
Excelentíssimo Dr. Professor Rubens Araújo de Oliveira
Nós, da comissão de formatura 2005/2 dos cursos de Administração, Turismo, Jornalismo e GSI da Faculdade Estácio de Sá, de Santa Catarina, vimos, por intermédio desta, comunicá-lo de uma situação que nos deixa muito constrangidos e, de certo modo, frustrados. Há alguns meses, em visita pessoal dos membros da comissão de formatura a Vossa Senhoria, solicitamos e fomos prontamente atendidos e correspondidos na solicitação do convite, que muito nos honraria, para homenageá-lo como patrono das turmas acima mencionadas. Até então, também foi abordada a possibilidade de um auxílio para amenizar os custos referentes à formatura. Hoje pela manhã, fomos informados formalmente que o auxílio que poderia ser repassado aos formandos seria de R$ 1.000,00, que entendemos que esteja dentro das suas atuais possibilidades financeiras.
Ao repassar esta informação, a comissão e os demais formandos ficaram em uma situação delicada em face da dificuldade em completar o orçamento. Os mesmos reagiram e sugeriram o auxílio de outra pessoa, que era também cogitada a ser homenageada, cujo valor disponibilizado amortizará o custo relativo ao local da colação de grau, pois contávamos com a disponibilidade do novo auditório da Estácio.
Então, diante desta situação extremamente complicada, nós da comissão acatamos o que a maioria dos formandos optou, que é de homenagear como patrono a outra pessoa que fará uma contribuição mais elevada. Gostaríamos de agradecer o aceite e o comprometimento, nos desculpar pela alteração e pelo não cumprimento do convite que fora gentilmente aceito pelo senhor, mas, diante dos fatos, a maioria decidiu que seria mais justo homenagear a pessoa que se propôs a fazer a maior contribuição para com os formandos.
(Assinam a carta os seis integrantes da comissão de formatura, cujos nomes vou omitir.)
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A resposta do professor aos estudantes
Prezados acadêmicos,
Vocês não devem se sentir constrangidos. Frustrados, sim. Constrangidos, nunca! Quem sabe este constrangimento não se trata de vergonha! Ou de falta de caráter! Ou ainda falta de ética! Entendo que estou “desconvidado” para ser patrono. Em minha vida de quase 30 anos como professor, devo ter sido patrono, paraninfo, nome de turma e homenageado dezenas de vezes. Jamais imaginei que formandos convidassem e “desconvidassem” patronos por dinheiro! Enfim, sempre há uma primeira vez para tudo.
Se eu utilizasse a mesma moeda (literalmente) é uma pena não ter sido comunicado antes… Neste caso, por idêntico critério, não teria pago minha parte como “patrono” na última festinha de confraternização dos formandos.
Meus queridos ex-futuros afilhados:
Eu é que me sinto constrangido. Decepcionado. Surpreso. Triste mesmo!
Constrangido, porque pensei que o convite realizado fosse uma homenagem ao ex-diretor geral da Estácio pela sua capacidade de administrar e levar adiante um projeto que em cinco anos tornou-se a maior escola de administração de Santa Catarina. Todos os cursos que ora estão se formando obtiveram a nota máxima de avaliação do MEC. Patrono é isso: uma pessoa que os formandos entendam deva ser exemplo na área de atuação dos cursos.
Decepcionado, porque pensei que nossos alunos honrassem o título de bacharel após quatro anos de muita luta e sacrifício. Patrono é isso: uma pessoa que dignifica a profissão.
Surpreso, porque jamais imaginei ter sido “comprado” como patrono. Isto é, fui “eleito” pelos formandos somente porque iria dar dinheiro para a formatura. Patrono não é isso. Patrono não se vende.
Triste, porque vejo que não consegui, após quatro anos de curso superior, mudar os valores de alguns alunos da Estácio. Patrono é isso: uma pessoa que possui valores que prezam pela ética, moral, honra e palavra.
Sinto-me aliviado. Dormirei melhor… Não consegui comprá-los por R$ 1.000,00. Obviamente, a honraria de ser patrono vale muito mais do que isso. Tivesse eu as qualidades de um patrono acima citadas, talvez me sentisse “enojado” com a situação. Como não as possuo, sinto-me aliviado em ter poupado um dinheirinho que seria gasto com pessoas das quais me envergonho de ter sentido alguma consideração de relacionamento. Assim sendo, e como não resta alternativa, com muita alegria aceito o “desconvite”.
Entendo que outros formandos não devem compartilhar da mesma opinião desta comissão. A estes, desejo sucesso e sorte. À comissão de formatura e aos outros que trocaram o patrono por dinheiro, o meu desprezo.
Seguramente, a vida lhes ensinará o que a faculdade não conseguiu!
Por último, desejo a todos a felicidade da escolha de um patrono bem rico! Que ele possa pagar todas as despesas e contas… Seguramente, a maior qualidade do homenageado.
Que tenham uma excelente formatura. Estarei lá presente na qualidade de professor da Estácio. Digam ao acadêmico orador que em seu discurso não fale das qualidades dignas do ser humano. Muito menos em decência, honra, moral e ética. Se assim o fizer, irei aparteá-lo e chamá-lo de mentiroso!
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Depois de ler estas duas cartas na véspera de um novo ano, comentar o quê? Como o professor Oliveira, eu também já participei como patrono ou paraninfo de mais de uma centena de formaturas, mas nunca tinha ouvido falar numa coisa dessas. Ao contrário, os formandos sempre fizeram questão de pagar minhas despesas com transporte e hospedagem. Patrono ser cobrado para receber uma homenagem? Fazer leilão de patronos?
Convidar e depois desconvidar?
Uns dez anos atrás, até achei meio folclórica a desculpa que me deram os formandos de uma faculdade de jornalismo do interior do Paraná. Às vésperas da viagem, informaram-me que não poderiam mais pagar a passagem de avião simplesmente porque o tesoureiro da comissão de formatura tinha sumido com a grana. Agora, vejo que a coisa ficou mais séria: criaram a figura do patrono-patrocinador.
Ainda bem que, para mim, a primeira imagem de 2006 que ficou guardada na memória foi a da minha neta, que ainda não completou três anos, dançando e pulando toda feliz, até de madrugada, enquanto pais e avós despencavam de sono em volta da mesa no réveillon do clube.
Laurinha nunca me deixa perder as esperanças.
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