quinta-feira, 19 de junho de 2008

"Como é duro ser o mestre"


Zapeando, encontrei esse belo texto publicado no blog do Gilmar Ferreira, colunista de futebol e coisa tal do jornal Extra.

O texto que foi extraído do blog do jornalista David Coimbra, do Zero Hora, de Porto Alegre - leitura que Gilmar recomenda (http://www.clicrbs.com.br/blog/)

Fui professor, uma vez. Faz tempo, foi na Unisul, de Santa Catarina. Convidaram-me para dar aula duas vezes por semana e pensei que ia ser legal isso de ser professor. As alunas me olhando com reverência. Chamando-me de mestre. Admirando minha superioridade. Miando:

- Ai, como o senhor sabe tuuudo, profe.

Ah, cara, realmente ia ser legal.

Já no primeiro dia, encontrei certa resistência dos outros professores.

- Tens algum curso de pedagogia? - perguntavam-me.

- Que método vais empregar nas aulas?

Essas coisas.

Invejosos, concluí. Corporativistas. Não querem que outros sejam chamados de mestres e sejam amados pelas alunas suspirantes.

Não me deixei intimidar, fui em frente na minha disposição de ser professor. Enfrentei algumas dificuldades que suponho serem normais para quem é noviço em uma atividade. O velho e bom Ancheta passou por algo parecido. Pegou um time de adolescentes no Passo Fundo e acabou desempregado em um mês, vítima da impaciência dos dirigentes. O Jones Lopes da Silva escreveu uma matéria emocionante a respeito. Dias atrás, o Ancheta veio visitá-lo na Redação, abraçou-o e confirmou:

- Ainda não desisti. Quero trabalhar como técnico.

Eu também não desisti de ser professor, nas primeiras semanas. Segui com as aulas e as provas e tudo mais.

Até que surgiu aquele cara. Na verdade, ele não surgiu; já estava lá. Um dos alunos. Sentava-se numa das filas laterais da sala e parecia sempre meio aéreo. Olhava-me com uma expressão vazia e nunca falava nada. Não era alto. Nem baixo. Nem gordo. Nem magro. Moreno, cabelos castanhos, a mandíbula pronunciada como se carregasse um cinzeiro na boca. O tal prógnato. Enxergava o mundo com uns olhinhos de porco, pequenos, estreitos e baços.

Enfim, tinha a maior cara de burro.

Jamais dei muita atenção a ele, até certa noite. Triste noite. Havia pedido que a turma fizesse um exercício de texto bem básico e, depois de explicar tudo direitinho, perguntei a ele:

- Entendeu?

Foi meu grande erro.

Ele me olhou inexpressivamente e respondeu:

- An?

- Entendeu? - repeti.

Ele:

- Ah. Entendi.

- Então faz aí como eu disse.

Ele fez. Errado.

- Tu não disseste que havia entendido? - perguntei. - Vou explicar de novo.

Foi o que fiz.

- Agora entendeu?

Ele:

- Entendi.

- Então faz.

Ele fez. Errado.

- Mas tu não disseste que tinha entendido???

Ele me lançou um olhar sem vida.

- Vou explicar outra vez!

E o fiz. Bem devagarinho. Passo a passo. Passo a passo. Com exemplos e tal.

- E agora? Entendeu?

- Entendi.

- Entendeu mesmo?

- Entendi.

- Não quer que explique de novo?

- Não.

- Tem certeza?

- Tenho.

- Hm... Então faz aí.

Ele fez. Errado.

Naquele momento, me deu uma vontade de chorar, mas uma vontade, uma vontade... Respirei fundo. Sentei-me ao lado dele para ficarmos do mesmo nível - dizem que isso funciona. Falei devagar, escandindo as sílabas:

- Vou... explicar... de... novo. Certo?

- Certo.

Retomei a explicação, mas já sentindo um aperto no peito, já sentindo que algo grave poderia ocorrer. Como ocorreu. Perguntei se ele havia entendido. Ele:

- Entendi.

- Jura por Deus?

- Juro.

Suspirei. E, num fio de voz, com os olhos marejados, pedi:

- Então faz...

Ele fez. Errado.

Compreendi que eu não era professor. A vida é assim. Alguns até sabem fazer, mas não sabem ensinar. Talvez eu precisasse daqueles cursos de pedagogia. Talvez os professores veteranos estivessem certos, afinal. Espero que o Ancheta não encontre um tipo como aquele aluno no começo dessa nova carreira dele.

3 comentários:

Anônimo disse...

Its ok if the appearance of your blog is not good. The important thing is the topic or the content of your blog.

Anônimo disse...

Oi, PC! Muito obrigado pela audiência qualificada lá no Futebol, Coisa & Tal. Mas é necessário que se faça um reparo. O texto que vc aqui reproduz foi extraído do excelente blog do jornalista David Coimbra, do Zero Hora, de Porto Alegre _ leitura que recomendo (http://www.clicrbs.com.br/blog/) De qualquer maneira, agradeço as palavras elogiosas e desejo sorte a seu glorioso Botafogo. GF

PC Guimarães disse...

Gilmar
Vou fazer a observação no próprio post. Mérito também pra você que teve a sensibilidade de divulgar o texto. E vou visitar o blog do David. E que a sorte venha pro meu Glorioso. Ele está precisando - e muito.
abs