domingo, 24 de agosto de 2008

Brasil exagerou na cobertura das Olimpíadas?

Mais uma bela análise do ombudsman da Folha de S. Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva.

Um caso olímpico de exagero

Os meios de comunicação de massa brasileiros inflaram demais os Jogos de Pequim, muito além provavelmente do interesse real do público

O LEITOR Marcos Tafuri observou as edições eletrônicas de diversos jornais diários pelo mundo, constatou que o destaque e espaço dados aos Jogos Olímpicos em outros países, inclusive os que têm grande tradição esportiva, como os EUA, foram menores do que no Brasil, e escreveu ao ombudsman sobre a cobertura da Olimpíada:

"Acredito que o nosso mercado publicitário, por carecer de maior poder econômico, vê em eventos grandiosos como a Olimpíada uma chance preciosa para comercializar seus espaços. Daí, as empresas de comunicação, para justificar esta demanda puramente comercial, criam em nosso imaginário a "importância da Olimpíada". Tudo bem. Mas há um porém nesta história. O leitor de jornal, por natureza, é um ser crítico. Em sua natureza crítica, por vezes, ele sente traído quando jornais respeitados, como a Folha, o tratam como um idiota."

Pode não ser este o motivo, mas de fato os meios de comunicação de massa brasileiros, inclusive este, inflaram demais os Jogos de Pequim, muito além provavelmente do interesse real do público em relação a eles.

Para mim, nada foi mais simbólico dessa desproporção do que o alto da primeira página da Folha de domingo passado. Em quatro colunas, estavam a imagem de Michael Phelps e a notícia de sua oitava medalha de ouro; em duas colunas, a foto e a informação sobre a morte de Dorival Caymmi.

Aposto como daqui a poucos anos (se tanto) a relação entre os brasileiros sabedores de quem foi Caymmi e Phelps será inversa ao espaço que o jornal dedicou a ambos: pelo menos o dobro de pessoas reconhecerá o compositor e não o atleta.

Poucos eventos noticiosos são mais complicados jornalisticamente do que a Olimpíada, especialmente esta, na China, no outro lado do mundo, com diferença de fuso de 11 horas. O jornal investe pesadamente para mandar uma grande equipe e é natural que queira ver o máximo resultado desse investimento nas suas páginas.

Embora o resultado final não tenha sido negativo em termos de informação, os exageros foram evidentes. Era mais do que antecipado que Michael Phelps ganharia muitas medalhas.

Mas desde a primeira o jornal lhe deu tanta importância, que no fim já não sabia mais o que fazer para ser diferente. Chegou a afogar sua imagem em letras em foto coberta por palavras.

A hipérbole foi a nota dominante desde o início, com a cascata de adjetivos retumbantes que descreveu a festa de abertura.

O que mais mobilizou leitores, no entanto, foi a foto de Diego Hypólito, publicada na capa do dia 18. Onze escreveram para se queixar dela e a consideraram desrespeitosa, humilhante.

Não concordo. A foto registra um fato. O instantâneo mostra a perplexidade do atleta que esperava vencer. Mas ganhar e perder são parte da competição. Conforme aforismo indiano, "para quem luta com os grandes, até a derrota é honrosa".

O tratamento dado pela mídia à Olimpíada em parte reflete a expectativa social de que só vencer importa, quando o espírito olímpico originalmente é o contrário.

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