segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ruy Castro e o Google

Mais um belo textinho do Ruy Castro na Folha.

De frente e de perfil
RUY CASTRO

Se você escrever entre aspas o nome "Álvaro Lins" no Google, saberá que há 222.000 ocorrências dele naquele serviço de busca. Claro que não me dei ao trabalho de varejar todas, nem estou a fim de morrer de velhice consultando o Google, mas as primeiras 400 e tantas referências já dão uma idéia.

Duas delas se referem ao escritor pernambucano Álvaro Lins (1912-1975). Todas as outras tratam de seu xará, o policial paraibano, nascido em 1967, acusado de formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando e corrupção passiva e, agora, ex-deputado, cassado por quebra de decoro.

O currículo do primeiro Álvaro Lins é de outra natureza. Foi um grande crítico literário -pioneiro na admiração por Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, João Cabral, Guimarães Rosa e Murilo Rubião, corajoso na demolição de homens poderosos, como Gilberto Amado, e complacente com Jorge Amado, que, segundo ele, narrava bem e escrevia mal.

Álvaro Lins não tinha cânones literários. Julgava obra por obra, donde podia entusiasmar-se com um livro de estréia e decepcionar-se com o livro seguinte do mesmo escritor. Tal independência rendeu-lhe não poucos inimigos, um deles o próprio Nelson.

Como seu homônimo de hoje, Álvaro Lins teve também atuação política: em 1955, defendendo pelo "Correio da Manhã" a posse de um presidente eleito (Juscelino), que os golpistas queriam abortar; e, em 1959, como embaixador do Brasil em Lisboa, dando asilo político ao general Humberto Delgado, pior inimigo do ditador Salazar.

Infelizmente, o Google só quer saber do Álvaro Lins de hoje, atualmente residindo em Bangu 8. Pior: pelo menos uma página sobre o escritor é ilustrada com a foto do ex-delegado, de frente e de perfil.

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