Fazia isso no tempo do Marcelo Beraba e já avisei ao Mário Magalhães que vou continuar fazendo na sua "gestão". As análises do ombudsman da Folha de S. Paulo, publicadas no domingo, são verdadeiras aulas de Jornalismo. Sempre que puder vou republicá-las aqui. Hoje, dividi a coluna em três, separando cada um dos temas.
Sua Excelência, o leitor
A Folha às vezes parece se esquecer de quem a lê; seria bom reavivar a profissão de fé de Octavio Frias: o jornal é feito para "Sua Excelência, o leitor"
QUEM acompanha os diários impressos de prestígio, os telejornais de qualidade, os bons serviços noticiosos on-line e as rádios dedicadas ao jornalismo já se habituou ao esforço para assegurar a manifestação dos que são criticados e acusados. É o chamado "outro lado".
As publicações transparentes identificam a empresa que pagou as viagens de "enviados especiais" que não foram bancadas por elas.
Nas Redações que abrigam a ética, não se admite que um profissional trabalhe parte do dia para o jornal e parte para instituição objeto de atenção jornalística. É um conflito de interesses inaceitável.
Se houve erro, corrige-se a informação. As páginas de opinião, ao contrário dos encardidos palanques de pensamento único, confrontam convicções antagônicas.
Até poucas décadas atrás não era assim. Numerosos valores e procedimentos que hoje são caros a uma parcela do jornalismo brasileiro foram introduzidos ou estimulados pela Folha, a partir de meados da década de 1970.
No domingo morreu o condutor e fiador dessas mudanças, o publisher Octavio Frias de Oliveira. De olho no futuro, o maior desafio do jornal é renovar um contrato simbólico que certa vez lhe permitiu veicular o slogan "de rabo preso com o leitor".
A Folha começou mal a era sem "seu Frias", como era conhecido o publisher. Nos dias seguintes à sua morte, personalidades dominaram o "Painel do Leitor", que não abriu exceção aos "leitores comuns", causa e fortuna das empreitadas jornalísticas de sucesso.
Aos "vips", reservaram-se colunas para as condolências. As mensagens de "anônimos" não foram contempladas, pelo menos até a sexta-feira. "Sua Excelência, o leitor" -expressão cunhada e cultivada por Frias- foi excluída de um espaço que deve ser seu.
O foco no leitor foi uma transformação essencial da Folha há três décadas. Não cabia ao jornal decretar a verdade, mas servir como tribuna plural para que os leitores formassem juízo.
O Projeto Folha, anunciado em 1984, radicalizou a orientação. Ao inventariar erros de informação, português e padronização, criou um saudável controle de qualidade, similar ao de empresas de ramos alheios ao jornalismo.
Em 1989, a Folha foi pioneira no país com a criação do cargo de ombudsman. Talvez não haja diário nacional que se corrija (menos que o necessário) e se critique tanto.
A plataforma que preconiza um jornalismo crítico, pluralista e apartidário explica por que o jornal investigou tanto o governo Fernando Henrique Cardoso (é seu o "furo" sobre a compra de votos para a emenda da reeleição) como o governo Lula (a entrevista de Roberto Jefferson sobre o mensalão saiu na Folha).
Em seus maus momentos, contudo, a Folha dá a impressão de que se esquece das necessidades reais de quem a lê. Um antídoto para isso seria reavivar a, mais que uma boa tirada, profissão de fé de Octavio Frias: o jornal é feito para "Sua Excelência, o leitor".
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