sábado, 5 de maio de 2007

piauí nas bancas. E nós? Aonde vamos?


piauí nova nas bancas. Não comprei porque eu estava sem trocado, ou melhor, duro, em pleno início do mês, antes do 5 º dia útil, mas vou comprar. Mas, pelo que vi no site, promete. Quem puder, dê uma olhada no texto abaixo. Tudo a ver com professores, alunos e universidades.
Assim caminhava a Universidade
LUÍS CARLOS SILVA EIRAS

Luís Carlos Silva Eiras já freqüentou diversos bancos escolares. Começou no Grupo Escolar Dr. Carlos Cavalcanti, em Cambuí, Minas Gerais, onde nasceu, em 1950. Passou por vários colégios de Belo Horizonte, onde mora, até se formar em eletrônica na antiga Escola Técnica Federal de Minas Gerais. Em 1969, ao sentar rapidamente nas carteiras da Escola de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais, descobriu que ali os bancos universitários eram bem diferentes. Anos depois, entrou na PUC, para cursar Administração e Economia, onde fez as anotações para o diário abaixo — revisitadas, recentemente, com espanto. Também assistiu a aulas de Análise de Sistemas e, há dois anos, às de mestrado em Ciência da Informação, da UFMG. Aprendeu o suficiente para ganhar a vida como jornalista, analista de sistemas e escritor.

1976
Primeiro dia de aula Nós, alunos, entusiasmados por termos passado no vestibular, comparecemos em massa e somos apresentados às maravilhas do “seminário”. A teoria é a seguinte: o professor faz uma exposição do tema; os alunos, divididos em pequenos grupos, debatem entre si e fazem um relatório das conclusões; cada grupo fala seu relatório para a turma e, terminando, o professor tira as conclusões finais.

Dessa teoria vai nascer um excelente subproduto: a prova em grupo. O aluno que sabe, fala; o que tiver a melhor letra, escreve; os demais assinam — assinaturas que podem ser conseguidas antes da prova, liberando-os para outras atividades como ler revistas, conversar, ir embora etc. Para o professor também é ótimo: são menos provas a corrigir. Uma turma de 40 alunos, por exemplo, pode ser facilmente reduzida a oito provas.

Segundo período. Sala cheia. Mas já se escuta, dos que chegam atrasados, aquilo que será, ao mesmo tempo, o grito de guerra e a única preocupação real de todo o curso:

— O professor já fez a chamada?

Terceiro período Uma aluna, funcionária da Fiat, convida os colegas a visitar a empresa. O convite é discutido durante uma aula de materialismo histórico. Vários alunos — alguns do Diretório Aca¬dêmico — argumentam se é válido a universidade, ainda que privada, mas ainda assim um templo do saber, “compactuar com o imperialismo”, “com o capitalismo decadente” etc. Chamado a opinar, o jovem professor explica, dialeticamente, que as “multinacionais sofrem de crise de identidade”, e que se trata de uma “tentativa de aliciamento da opinião pública, na qual os estudantes são a peça principal”. A discussão termina com um consenso “religioso”: cada um deve ir, ou não, conforme a consciência política que tiver. No dia da visita, apesar das facilidades (ônibus, almoço), aparecerão, além da funcionária, apenas eu e mais um colega. A turma se recusará a ver o materialismo histórico de perto, que teve um lado constrangedor: um ônibus de luxo, um enorme refeitório e muita comida para tão poucas pessoas.

Aula de história econômica O professor marca o trabalho em grupo que servirá de prova final.

— É claro, explica, que aquele que tiver melhor apresentação vai ganhar uns pontinhos a mais do que aquele que apresentar um monte de papel de rascunho.

Um aluno bancário já tem a solução:

— Um colega meu tem um trabalho genial que ele fez no semestre passado. Esse cara deu a nota máxima. É só tirar xerox, bater a primeira folha com o nome da gente e colocar uma capa de outra cor.

Todos os períodos O pessoal do Diretório Acadêmico interrompe as aulas para que os estudantes assistam a uma conferência (um filme? uma demonstração?) em solidariedade ao povo da Nicarágua (do Chile? do Irã? dos povos indígenas?). São distribuídos panfletos onde fica claro que “o povo brasileiro apóia a luta” desse povo. Na hora da conferência (do filme? etc.), a maioria aproveita e vai embora.

Um mês depois. O pessoal do da interrompe a aula para que os estudantes assistam a uma conferência (um filme? etc.) e distribui uns panfletos. O professor é liberal:

— Quem quiser, pode sair. Mas eu vou continuar dando a matéria, que cai na prova de quarta-feira, e vou fazer chamada no final da aula.

Nenhum aluno sai.

O professor de Análise de Sistemas entra na sala e se dirige aos poucos alunos presentes:

— Boa noite, gente. Tudo bem? Como é que está o trabalho? Alguma dúvida? Nenhuma dúvida? Qualquer dúvida é só falar. [Faz uma pequena pausa, os alunos mal notam a sua presença]. Lembrem-se de que o trabalho tem que ser entregue no último dia de aula e vale todos os pontos. Nenhuma dúvida? Então, boa noite para vocês.

E se retira. Assim são suas aulas. Duram sempre menos de cinco minutos. É fácil deduzir por que poucos alunos estão presentes.

1977
Aula de estatística ii Também conhecida como aula do professor das fichinhas. O professor carrega sempre uma pasta com um pequeno arquivo de plástico cheio de fichinhas. Sua aula consiste em transcrever o que está escrito nelas para o quadro. Nenhuma pergunta fora do que está escrito nas fichinhas pode ser feita. Um dia, ele as esquecerá em algum lugar e não poderá dar aula.

Ao longo do período surge uma dúvida atroz. Deve a turma continuar com um professor, recém-formado na própria universidade e que não sabe dar aula e, muito menos, a matéria? Ou ficar, oficialmente, sem aula? Um professor ruim é melhor do que nada? Ou nada é melhor do que um professor ruim? A turma discute, como disse o outro, o que fazer.

Surgem duas correntes. Uma, idealista, acha que se o professor sair, através de um abaixo-assinado, a universidade pode demorar em substituí-lo, a turma ficará sem aula vários dias, e o próximo professor não terá tempo para ensinar toda a matéria. A outra, realista, acha a mesma coisa. Mas vê nisso inúmeras vantagens.

Estou no quarto período, tenho mais oito pela frente. Descubro então que a universidade é coisa séria: posso ter no máximo quinze faltas numa matéria; mas já tenho dezesseis. Falo com o professor que, envergonhado, pede desculpas por ter feito tantas chamadas. Se dispõe, com a máxima boa vontade, a me ajudar. Vamos até a secretaria. Lá mostramos, inclusive, que, pelas notas de trabalhos e provas, já fui aprovado, tenho uma das maiores médias da turma. A secretária não se impressiona com o paradoxo (alguém que não esteve presente para saber, mas tem todas as provas que sabe).

— A universidade não pode abrir precedentes. A universidade é uma coisa séria, diz ela.

Vou repetir a matéria no próximo semestre, mas com uma vantagem: não preciso comparecer às aulas, o professor garantirá minha presença, só tenho que entregar os trabalhos, que serão os mesmos deste semestre.

Um colega de sala, cujo pai é dono de várias concessionárias de carro, também descobre que só pode ter vinte faltas, mas já tem 23. Quando lhe falo da chateação que ele vai ter, ele não se preocupa, é uma aula a menos que terá que assistir e, no mais, fará um “curso de férias” dado pela própria universidade. Aquilo que não aprendeu num semestre, aprenderá em quinze dias. Eu não sabia disso.

Conversando sobre o caso acima, descubro mais. Pode uma pessoa estar duas vezes por dia, ao mesmo tempo, em dois lugares diferentes? Na universidade, pode. O aluno se matricula na matéria a de manhã, e na matéria b à noite, matérias que, à noite, possuem o mesmo horário. Depois, explica para os professores da matéria a (da manhã e da noite) a sua situação (se for o mesmo professor tanto melhor), que concordam que o professor da noite irá transferir, assim, tempo ao aluno para fazer a matéria b.

Na prática, o aluno:

1) de manhã, está “oficialmente” assistindo a aulas na universidade, quando, na verdade, está em outro lugar;

2) à noite, ele passa pela sala de matéria A e, no meio da aula, corre para a sala de matéria b, conseguindo presença nas duas.

Esta é a fórmula básica. Há variações. Esses métodos possibilitarão aos mais espertos, com dinheiro, paciência e tempo, se formarem antes da maioria.

Todos os períodos Véspera das provas. Entro na enorme fila do xerox. Xerocamos tudo que nos parece matéria: cadernos, livros, apostilas, rascunhos, colas, anotações. Um punhado de cópias, seja lá do que for, sob os braços, nos traz certa segurança. Um parêntese: entende-se como apostila um conjunto de papéis grampeados — e ilegíveis, seja pela péssima datilografia, seja pela obscura mimeografia, seja pelo conteúdo propriamente dito. São trechos de diversos livros, escritos às vezes em várias línguas. A maioria das matérias é estudada nessas apostilas.

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