domingo, 10 de fevereiro de 2008

Jornalista não pode errar

Mais uma bela análise do ombudsman da Folha, Mário Magalhães. Desta vez, sobre erros e correções. Uma aula!

Correções aumentam. Porém...
O atraso nas correções manteve-se com exagero injustificável; o tempo para veicular o "Erramos" foi de sete dias -menos que em 2006 (oito)

A Folha noticiou em outubro que a protagonista da série televisiva "Samantha Who" é psiquiatra. Por e-mail, uma leitora esclareceu: é advogada. Cobrei, e a Redação bateu pé: "A profissão [...] está correta".
Encaminhei a resposta à leitora, que enviou o link do site oficial do programa nos EUA e reafirmou: advogada. A Redação retrucou: "A personagem realmente é uma advogada. A leitora está equivocada".
Se é advogada, o engano foi do jornal. Só após muita insistência, dois meses depois, foi publicado "Erramos".
Em agosto, informou-se que um animal chamado opilião é uma aranha. Uma cientista escreveu, ensinando: trata-se de aracnídeo, mas não de aranha.
A Redação bancou: "Não consideramos erro". Insisti, e o Programa de Qualidade concluiu, após consultar cinco acadêmicos: a leitora tinha razão. Saiu "Erramos".
Que faltou depois da manchete de novembro "Cisco usou laranja para doar R$ 500 mil ao PT, afirma PF". Como se comprovou, a polícia não fez tal afirmação. Leitores e eu pedimos retificação. Os fatos derrubaram a versão. Ainda assim, a Folha a manteve.
Como quando alardeou em primeira página de julho que uma adolescente de nome masculino estava grávida. Não estava, exame constatou. Fracassei no esforço para corrigir.
Sobreveio novo insucesso, em reclamação a respeito de reportagem dando conta de que o empresário Paulo Zottolo se ausentara de protesto do movimento Cansei em agosto.
Ele disse que estava lá. A Redação defendeu-se: os repórteres não o viram. A assessoria de Zottolo indicou testemunha. A última carta da Redação concedeu: "Não descartamos a possibilidade de o empresário ter ido ao ato". Em vez de apurar com os presentes, ficou por isso, sem correção. Nem verificação rigorosa se produziu.
A resistência em reconhecer erros e corrigi-los é um dos maiores obstáculos à transparência, credibilidade e espírito de prestação de contas do jornalismo.
A despeito do jogo duro, o jornal evoluiu. No ano passado, imprimiu 1.389 correções, 148 a mais que em 2006. A marca e o pulo de 12% são recordes, desde que o levantamento passou a ser feito, em 2004.
Por dia, houve quase quatro correções (3,8). Somam-se erros, não "Erramos" -às vezes, uma nota retifica duas ou mais informações.
Mais correções podem ou não equivaler a mais erros. Em setembro, um professor da Universidade de Oregon mostrou que, em um universo de dez jornais americanos, insignificantes 2% dos equívocos são admitidos.
Mesmo com a incerteza sobre o total de erros, os novos números sugerem disposição maior para se corrigir. Se os leitores ganham em informação, perdem em espaço: na página A3, a seção "Erramos" encurta o "Painel do Leitor".
O atraso nas correções manteve-se com exagero injustificável. O tempo para veiculação de "Erramos" foi de sete dias (7,34). Menos que em 2006 (oito) e igual a 2005.
A média sobe para nove dias (8,67) se for considerada a checagem extraordinária sobre reportagem de 2005 de autoria de um ex-colaborador que veio a ser acusado de integrar organização criminosa.
Das editorias diárias, as mais ágeis para se corrigir são a Primeira Página (dois dias) e Mundo (cinco). Dos suplementos, o Guia da Folha (média exemplar de 24 horas). As retificações mais demoradas, nas seções do dia-a-dia, são de Ciência (13) e Brasil (dez; eram cinco dias em 2006).
Se não faz feio no jornalismo brasileiro, a Folha está longe do melhor padrão do exterior. No último fim-de-semana, aqui se corrigiram seis erros de informação. No "New York Times", 24, 300% a mais.

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