quarta-feira, 23 de julho de 2008

"Ele só gosta de morto!"

Gosto dos textos do Ruy Castro. Me amarrava nas tiradas da Dercy Gonçalves. Estive na terra dela. Que idéia da porra essa de ser enterrada em pé! Leiam o texto do Ruy publicado hoje na Folha. Será que agora ele vai aceitar? E o que ele pensa da biografia do Paulo Coelho escrita pelo não menos genial Fernando Morais?


A grande vedete
RUY CASTRO

Há dez anos, fui procurado por uma amiga ou secretária de Dercy Gonçalves. A atriz me convidava a escrever sua biografia. Eu estava mergulhado na preparação de um livro, que não sabia quando iria terminar, e não podia assumir um compromisso tão sério. Além disso - tentei explicar delicadamente -, não costumava pegar encomendas, nem biografar pessoas vivas.

É difícil convencer alguém de que um biografado vivo não é confiável. Se ele é importante para merecer uma biografia, será também poderoso o suficiente para tentar influir no texto. Primeiro, ao ser ouvido pelo biógrafo, mentirá o quanto puder sobre si próprio. Depois, obrigará os amigos a mentir por ele - ou a omitir fatos que não sejam do seu interesse revelar. Acho que Dercy, por seu temperamento cru, não faria isto, mas não podia abrir uma exceção.

Assim, disse à secretária ou amiga que, "se e quando Dercy viesse a faltar", é que sua história estaria terminada, e ela poderia ser biografada. E, como eu era seu fã e queria que ela vivesse para sempre, não via como poderia aceitar o trabalho. A moça transmitiu o recado e ficou por isso mesmo.

Tempos depois, num programa de TV, a apresentadora perguntou a Dercy se ela não gostaria de ter sua biografia escrita. E Dercy, bem a seu estilo áspero, respondeu: "Queria muito. Até já mandei falar com o Ruy Castro. Mas ele só gosta de morto!"

Outro dia, por acaso, revi seu filme "A Grande Vedete", de 1958, dirigido por Watson Macedo. Na seqüência final, Dercy, com mais de 50 anos, dança em volta de Catalano e canta "Tome Polca", dos eternos José Maria de Abreu e Luiz Peixoto. Ao me lembrar dela, toda catita nos versos, "E tem um chá/ Bolinhos de polvilho/ E outros triviais", me pergunto se não devia ter aceitado seu convite.

Nenhum comentário: