Pesquei na lista de debates da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) esta bela análise do professor Pedro Aguiar sobre o fim (provisório) do diploma de Jornalista.
O fim do diploma e o futuro da Inter
"Enquanto escrevo, a exigência da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista está sendo derrubada numa votação do Supremo Tribunal Federal. O voto dos ministros atende a uma demanda corporativista e circunstancial das empresas de comunicação - as únicas favorecidas pela mudança. A sociedade não vai se beneficiar; as universidades não vão se beneficiar; o leitor não vai se beneficiar; e os jornalistas, é óbvio, terão fechado ainda mais um mercado que já vinha se afunilando com o encolhimento das redações no mesmo processo em que é saturado pela explosão de cursos privados de jornalismo.
As corporações de mídia estão representadas na causa pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo. A mobilização dos jornalistas teve a liderança da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a entidade nacional da categoria, e a ação dos sindicatos estaduais e municipais (alguns mais fortes, outros mais fracos). Não é preciso contabilizar verbas para saber qual era o lado mais fraco da corda que agora arrebenta. As forças do capital, termo que não tem nada de anacrônico (basta olhar à nossa volta, não?), continuam manipulando as decisões do Estado com seu poder econômico e impondo à sociedade as configurações político-jurídicas que atendem a seus interesses de classe.
Surpreendentemente, nesta batalha, junto a elas estão muitos indivíduos e entidades de boa fé, que defendem o fim da exigência do diploma com o argumento naïf de que libertará entraves à comunicação democrática, verdadeiramente livre. Não entendem que estão fazendo o jogo da grande mídia e se ofendem ao serem apontados como aliados circunstanciais e "inocentes úteis". Pois são.
Estão, na verdade, contribuindo com a futura concentração da comunicação em (ainda) menos mãos, e em outras que sejam mais leais e facilmente manipuláveis pelo empresariado. Estão ajudando um cenário que se pode prever com a contratação de Paulos Coelhos para o jornalismo cultural, de Sandra Annenbergs para o telejornalismo, de Datenas para a RePol e de tantos e tantos nomes de estrelinhas que ajudam a vender jornal, com páginas que têm cada vez menos jornalismo e mais, colunismo, articulismo e achismo. E ainda vêm com o discurso vaziíssim o e batidíssimo de que "especialistas entendem mais que jornalistas".
E quem entende de informar? De entrevistar, de editar, de hierarquizar e apresentar a notícia? Acho que não é o Paulo Coelho.
Para o Jornalismo Internacional, como fica? Corremos o risco de perder lugar para consultores de RI, para diplomatas de pijama, para especialistas em Direito Internacional e outras categorias que têm seu espaço, sim, mas como fonte e não como editores? O que um RI-ólogo entende de fechar página, de contar toques pro título, de editar um VT, de catar o contato de um entrevistado a meia hora do fechamento? Entende de política internacional, decerto (embora nunca seja demais enfatizar que parte significativa do currículo de Relações Internacionais trate de relações privadas, não inter-estatais, que são as que alimentam pauta pra Inter), mas não do processo produtivo jornalístico.
E não, isso não é coisa que se aprenda só na prática.
Porque quem passou por uma boa universidade de jornalismo sabe a implicação política que tem a escolha de um termo como "presidente" ou "ditador" para falar do Fidel Castro; porque conhece o esquema dialético da teoria da comunicação e entende a produção de sentido que terá ao pôr determinada foto ou ao justapor duas retrancas aparentemente não-relacionadas; porque tem consciência do papel que exerce no gatekeeping ao escolher uma matéria pro abre e jogar outra pro colunão. Isso tudo se aprende na faculdade e tem valor imediato para quem vai pra redação - principalmente num campo que lida com informação de alta relevância e exige enorme formação geral e cultural, como é a Inter.
Sem contar que as relações internacionais (neste caso, em minúsculas) são apenas um fragmento - arrisco a dizer que sequer são maioria - da pauta cotidiana de Inter. Há um volume enorme de política interna dos outros países; há acidentes, crimes, faits-divers e outros temas que seriam categorizados como matérias de Geral, só que fora do Brasil; há as catástrofes naturais, problemas ambientais, questões que exigem conhecimento sobre a geografia do país alheio; há a economia, cada vez mais próxima de nós graças à globalização; há eventos culturais, tendências estéticas, inovações na arte, que requerem uma boa formação em Comunicação; há toda uma miríade de assuntos que a Inter cobre e que estão fora do escopo dos diplomatas e consultores.
A profissão que dá conta de cobrir qualquer assunto - porque sua ênfase é no cobrir, não no assunto - é a do jornalista.
Gosto da analogia: alguém contrataria um jogador de futebol para cobrir um jogo e bater matéria? Ou um professor de educação física para ser editor de Esportes? Então por que pensar que profissionais da área temática estão mais habilitados a informar sobre ela? Há diversos riscos de se raciocinar assim: desde a ideologização aberta da cobertura (afinal, se é para ser um "especialista", o patrão só vai querer contratar quem concordar com ele) até a progressiva inundação de jargões e terminologias técnicas, produzindo textos enfadonhos para o leitor. Isso vale para qualquer área, não só Inter. Nenhuma editoria jamais funcionou assim, pelo menos desde a modernização da imprensa. O profissional habilitado é sempre aquele que tem pleno domínio do processo de produção jornalística, não o que é especialista no tema da notícia.
Infelizmente, o pessimismo está ganhando mais terreno. O fim da exigência do diploma será nocivo para o jornalismo brasileiro como um todo, mas pode ser mortal para a cobertura internacional. Todas aquelas reivindicações históricas da subcategoria devem ser esquecidas: maior distribuição geográfica da cobertura; maior número de fontes e inclusão de atores marginalizados nos outros países; mais correspondentes, enviados, stringers e cobertura in situ; maior relevância editorial aos temas internacionais e maior coordenação de pautas com outras editorias. Nada disso será interessante, porque caro, trabalhoso, pouco rentável ou "administrativamente contraproducente".
Quem, além do jornalista profissional, vai querer se enfiar num buraco na Bolívia para pegar aspas de um líder sindical de minas de estanho?
Tenho dúvidas de que será o engomadinho formado em RI.
Estereótipo, sim. Mas não muito longe da verdade. Ainda que haja os quadros progressistas, como sempre há, e que haja os diplomatas e consultores com consciência de que "trabalho de campo" não se resume a análises e reuniões feitas em palacetes e ambientes sob ar-condicionado (eu conheço pessoalmente pelo menos dois), fato é que a formação em Relações Internacionais no Brasil e no mundo ocidental está muito mais próxima de interesses corporativos ou de Estado, ditos cosmopolitas, do que de movimentos sociais, de causas populares, de raízes culturais ou de ação comunitária. O perfil do egresso de RI tem muito mais semelhança com o de Administração ou Economia do que com os "porra-loucas" de Jornalismo. E tanto a atividade quanto a produção acadêmica da área, sempre guardadas as honrosas exceções, tende muito mais a perpetuar focos de atenção nos lugares que são "proporcionalmente" mais importantes para o Brasil - em nom e de interesses econômicos e políticos de origem duvidosa - do que em outros que sejam socialmente, culturalmente e historicamente mais próximos.
Como já comentamos aqui mesmo na lista, só nós jornalistas entendemos que "comunidade internacional" é jargão vazio e irrelevante.
Tenho medo, muito medo, de balelas como essa passarem a ser a regra, não mais a exceção, na imprensa do meu país".
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