domingo, 12 de julho de 2009

Na suíte com o Rei

Fiquei emocionado com o show dos 50 anos do Roberto Carlos no Maracanã e resolvi reproduzir esta antiga crônica. Espero que gostem. Do Rei e da crônica.

Na suíte com o Rei
Paulo Cezar Guimarães

"Ué, benhê, você sabe que estou preparando a minha tese para a faculdade. O prazo de entrega está quase chegando. Não posso perder tempo. Vai indo, que eu já vou".


Tadinho do Silvio Marinho. Oito anos de casamento, quatro filhos para criar, não via
a hora de passar um dia inteiro sozinho com a mulher. E esse dia chegou: seu aniversário.

"Mulher: vamos passar a tarde num motel".

Deixou as crianças na casa da sogra, pediu folga no jornal - onde trabalha até hoje como diagramador da editoria de Esportes -, pegou o carro emprestado da cunhada, e foram. Para bem longe, em Niterói. Num desses motéis que tocam todo o repertório do Roberto Carlos e servem drink para recepcionar os casais. A suíte, com nome de música do Rei, foi, digamos, escolhida a dedo: “Recordações”.

“Essas recordações me matam”, entrou feliz da vida, cantarolando o refrão da música, meio desafinado.

Tinha reparado que a mulher carregava uma bolsa grande, pesada. Não perguntou o conteúdo, mas imaginou que fossem roupas. Ou melhor, lingeries. Ao chegarem à suíte, telefonou para a copa e pediu cerveja para acompanhar o amendoim, com prazo vencido, que repousava há meses, sobre o freezer.

"Amor, você não vem?", indagou, ansioso, enquanto bulia no painel com jogo de luzes, interruptor de tv e rádio, ar condicionado etc.

Há muito não freqüentava um motel e se divertia como uma criança. Apaixonado, excitado, aumentou o volume quando ouviu os primeiros acordes de “Café da manhã”.

“Amanhã de manhã, vou pedir o café pra nós dois...”

"Amor, vem ver. Pra que serve isso aqui?"

"Já vou, benhê".

"O que você está fazendo?"

Levantou-se da cama, dirigiu-se àquele cantinho em que os motéis reservam para a mesa
de refeições, e surpreendeu a mulher numa tarefa incomum ao local onde estavam.

"Um laptop? Pra que você trouxe esse laptop?"

"Ué, benhê, você sabe que estou preparando a minha tese para a faculdade. O prazo de entrega está quase chegando. Não posso perder tempo. Vai indo, que eu já vou".

Homem sabe muito bem que, nessas horas, é melhor não encrencar. Fingiu que estava
tudo bem e decidiu dar uma caída na piscina.

"Amor, você não quer dar um mergulho?"

"Já vou, benhê".

Quase uma hora depois, já com os dedos das mãos murchos, devido ao contato excessivo com a água, saiu da piscina e foi fazer uma sauna. A caminho do banheiro, percebeu a mulher envolvida com livros, papéis e um gravador. Reparou que ela nem tinha tirado a roupa ainda.

“Meia taça, só os óculos”, pensou, meio sacana, desolado.

Ao sair da sauna já era quase noite. Ligou a televisão. Primeiro jogo da final da Copa do Brasil. Jogavam o Botafogo, seu time, e o Juventude, de Caxias do Sul. Ainda pensou:

“Que bom que estou de folga. A esta hora estaria na redação aguardando o fim do jogo. E estou aqui, numa boa”, pensou.

"Benhê, vou ver um pouco do jogo. Estou te esperando.

Foram as suas últimas palavras naquela noite. Recostou a cabeça no travesseiro e nem chegou a ver um dos dois gols alvinegros anulados pelo juiz.

Dormiu.

Nenhum comentário: