Atletas "jornalistas", uma fraude
Luiz Carlos Ramos
(Publicado originalmente no Unidade nº 300 (setembro/2007), do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo)
Oscar, Hortência, Geovani, Virna, Gustavo Borges, Aurélio Miguel e Robson Caetano. Eles merecem entrar em qualquer lista dos melhores atletas brasileiros dos últimos 20 anos: conquistaram títulos e medalhas de basquete, vôlei, natação, judô e atletismo. Foram competentes nas quadras, pistas, tatamis e piscinas. As pessoas certas, nos lugares certos, nas épocas certas. Com eles e com mais um punhado de grandes atletas do passado e do presente, o Brasil tem provado que já não é apenas o "País do Futebol", apesar de ser ridícula e irresponsável a campanha de dirigentes, de uma parte da mídia e do presidente da República para tentar nos convencer de que somos potência esportiva, em condições de até promover a Olimpíada de 2016.
Tudo bem. Como atletas, eles foram excelentes. Mas como se portam na tarefa de comentar competições para emissoras de TV e rádio, para jornais e para sites de internet, como aconteceu no Pan do Rio, em julho? Eles são péssimos, com raras exceções. Podem ter conhecimento sobre a modalidade esportiva em que se consagraram, mas, geralmente, não têm domínio da palavra e acabam ficando "em cima do muro" ou fazendo política para beneficiar esta ou aquela ala de dirigentes, técnicos e atletas. O resultado é negativo. Culpa deles? Não. Culpa de quem os contrata. No caso, a culpa é das empresas e dos jornalistas chefes de equipes que resolvem superpovoar seus quadros de cobertura dos Jogos Pan-Americanos e de Olimpíadas com um número exagerado de ex-atletas, pessoas conhecidas do grande público, mas ignorantes em termos de comunicação.
O "esporte-base"
É claro que poderia ser lembrado o fato de esse tipo de "reforço" às coberturas esportivas também contribuir para burlar a já tão maltratada lei que regulamenta a profissão de jornalista. Mas fiquemos apenas com o lado técnico. O pior é que alguns desses ex-atletas não se limitam a tentar ser comentaristas: também se aventuram na missão de fazer reportagens e entrevistas. Uma loucura!
E mais: essa situação não se resume ao Pan. No dia-a-dia, temos uma infinidade de ex-jogadores de futebol que mantêm colunas em jornais e espaço em rádio, TV e internet. Na maioria dos casos da mídia impressa e da internet, nem são eles que escrevem: os tais famosos recorrem à cumplicidade de alguém alfabetizado, um jornalista, que funciona como ghost writer.
No entanto, grande parte da responsabilidade por essa situação não é só de empresas e de ex-atletas: é de uma parcela de jornalistas esportivos que, ao longo de suas carreiras, nunca tentaram ir além da condição de "boleiros", já que fazem do futebol o restrito campo de sua atividade monotemática. A cada Pan e a cada Olimpíada, percebe-se o despreparo de inúmeros profissionais para reportar e comentar modalidades esportivas como atletismo, natação e judô, por exemplo. O atletismo é o "esporte-base", mas são poucos os repórteres em condições de mostrá-lo em detalhes, em profundidade.
Poupar o telespectador
O último dia da Olimpíada de Atenas, em 2004, teve um dos fatos mais inusitados de todos os tempos: um atleta sendo agarrado por um maluco quando liderava a maratona. E esse atleta era brasileiro! O herói Vanderlei Cordeiro de Lima. Naquele dia, foi péssima a cobertura dada pela mídia do Brasil ao ocorrido. Nossa mídia acordou só no dia seguinte, quando a chama olímpica já havia sido apagada do estádio.
Uma vez que teremos nova Olimpíada em agosto de 2008, em Pequim, é de se esperar que os futuros enviados especiais comecem a ter algo além de lições de chinês. Que tal saber a diferença entre salto em altura e salto em extensão ou conhecer a verdadeira posição do Brasil entre os países da melhor natação do mundo? Assim, talvez consigamos convencer o cestinha Oscar e seus "colegas" de trabalho no Pan a ficar em casa, junto às suas galerias de troféus, assistindo à Olimpíada pela TV. Apenas assistindo. E poupando os telespectadores.
Fonte: Observatório da Imprensa
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