sábado, 22 de setembro de 2007

Lugar de repórter é na rua, lembra Jorge Antonio Barros


Essa eu acabei de pescar no blog "Repórter de Crime", do meu querido amigo Jorginho. Vale a pena ler. Na foto, um carro blindado de O Globo.

Crônica de uma escaramuça da madrugada
Lugar de repórter é na rua, dizia meu saudoso chefe de reportagem José Gonçalves Fontes, já falecido, que formou gerações de repórteres.

Esta madrugada desviei rapidamente do caminho de casa para ir a um local de crime com a equipe de reportagem do GLOBO, do plantão da madrugada, coisa que não faço há muito tempo, embora esta cidade tenha um crime em cada esquina. A "saída", objetivo da reportagem no jargão das redações, era para um "intenso tiroteio entre policiais e traficantes no Morro do Borel", na Tijuca, considerada área nobre da Zona Norte, onde há muitos leitores de jornais. Já subi o Borel a bordo do Morcego Negro, um precursor do caveirão, criado pelo falecido delegado Antônio Nonato da Costa, então diretor da Delegacia de Repressão a Entorpecentes.

Avisei que em vez de ir diretamente para casa iria seguir com o repórter Marcelo Dutra e o fotógrafo Fernando Quevedo - uma dupla pitoresca, que já emplacou boas reportagens - levados no carro blindado do jornal, pelo motorista Monteiro. Uma espécie de "happy hour" às avessas.

"Editor não sabe o que é tiro na rua", brincou o repórter. "Editor mal reconhece o cheiro da rua", pensei comigo. Quem trabalha na cozinha do jornal fica concentrado só num tipo de adrenalina: a do fechamento da edição. Olho no relógio do PC, monitoramento no programa que visualiza o andamento das páginas, leitura de provas, chamadas na primeira, na página dois, refaz a chamada, título ruim, refaz, refaz, libera a página, olha a hora, gente, olha a hora. O tempo voa. A hora final não vale mais do que 15 minutos, se o tempo não fosse medido por relógio.

São 3h da manhã desta sexta-feira, às vésperas da primavera, e estou nessa esquina da Rua Conde de Bonfim, num dos acessos ao Morro da Casa Branca, na Tijuca. Nenhum sinal de polícia. As equipes de reportagem se concetraram sob uma marquise, bem longe da linha de tiro, à espera dos policiais que tinham mandado bala nos bandidos, que revidaram com mais vigor, até a chegada de reforços. A cerca de cem metros dos repórteres, um homem observa toda a movimentação, com certeza um olheiro do tráfico.

Na 19a DP (Tijuca), o único policial acordado ouve a história do chefe de uma das guarnições do Batalhão de Choque, que havia trocado tiros com os bandidos. Ele deve estar registrando queixa para justificar o prejuízo ao patrimônio público, a patrulha crivada de balas, que os policiais já trataram de remover. Deve ter virado uma peneira porque do contrário não a teriam guardado tão rapidamente.

Enquanto o sargento registra a "ocorrência", um grupo de soldados fortemente armados, vestindo coletes à prova de bala, descansa na sala de estar da delegacia. Lembra uma daquelas patrulhas de filme de guerra, mas nenhum deles dispõe de capacete. Conversam com alguns repórteres e dão sonoras gargalhadas ao ouvirem a história de que a patrulha havia sido atacada a pedradas. "Era chumbo mesmo", comenta um dos policiais. Felizmente foi uma escaramuça sem bala perdida.

Assim como os policiais não usam capacete, os jornalistas, com exceção de dois, tampouco usam os coletes à prova de bala, que fazem parte dos equipamentos de segurança dos carros blindados (foto) usados pelas equipes que trabalham de madrugada. Eu já fui plantonista da madrugada na década de 80, no JB, que não corria para tudo que era história. Uma coisa não mudou em 30, talvez 50 anos: os repórteres de crime, sobretudo na madrugada, andam em bando. Como um enxame de abelhas chegam e saem juntos dos locais. Em enterros, hospitais e delegacias, devem mesmo assustar as testemunhas, os policiais bandidos e, sobretudo, as vítimas e os sobreviventes. Olhando de longe, como se eu não fosse um deles, confesso que me senti ao menos no sopé da "Montanha dos Sete Abutres", o filme põe em xeque repórteres sem escrúpulos e sensacionalistas. Mas logo caí em mim. Eu também sou um deles. E, a despeito dos erros que não se limitam ao vernáculo, acredito que sem boa reportagem não há solução.

Agora o melhor de tudo é que essa crônica toda cabe numa nota de pé de página, o colunão, como chamamos no jargão da edição. O papel é realmente muito caro e tem que ser gasto com algo mais útil.

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