domingo, 23 de setembro de 2007

Ombudsman da Folha sobre os tiros no jornalista de Brasília

Tiros no jornalista
MÁRIO MAGALHÃES

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O ataque ao jornalista que se dedica a expor a tragédia social é tentativa de calar o jornalismo; deve ser enfrentado com mais reportagens --------------------------------------------------------------------------------

NO DIA 2 DE JUNHO de 1976, poucas semanas antes de completar 48 anos, o jornalista americano Don Bolles acionou a ignição do seu carro na cidade de Phoenix. Uma bomba explodiu, e 11 dias depois os ferimentos causaram a morte do repórter do diário "Arizona Republic". Ele investigava o crime organizado, e provavelmente sua morte foi encomenda de mafiosos.
Em uma reação inédita que jamais se repetiria nos EUA, 38 profissionais de 28 jornais e redes de TV se uniram no que seria conhecido como "Projeto Arizona": retomar e aprofundar a apuração que o colega assassinado tocava sobre fraudes em registro de terrenos.
Isso mesmo: embora buscassem informações e cobrassem das autoridades a elucidação do homicídio, eles se concentraram em desvendar as falcatruas. Seu recado: se matarem um jornalista, muitos outros virão para contar mais sobre os fatos cujo interesse em ocultar custou uma vida.
Os participantes produziram uma série de reportagens, reconhecida por numerosos prêmios jornalísticos.
No começo da noite da quarta-feira, um dos mais premiados jornalistas brasileiros, Amaury Ribeiro Jr., 44, estava em um bar em Cidade Ocidental (GO), na região conhecida como Entorno de Brasília, nas proximidades da capital.
Um adolescente entrou armado com um revólver calibre 38 e apressou o passo rumo ao repórter. Ribeiro Jr. pulou sobre o agressor, mas uma das balas disparadas perfurou-o na barriga. Até anteontem, vivo e ansioso para retomar o trabalho, ele seguia no hospital. O atirador fugiu.
O trabalho que o jornalista desenvolvera nas semanas anteriores para o "Correio Braziliense" fora um mergulho na violência do Entorno.
No balanço dos seis últimos meses, publicado no dia 4 passado, Ribeiro Jr. informou que foram assassinados no local 41 jovens de 13 a 18 anos e mais 109 de 19 a 26. Total de 150. Na maioria dos casos, os suspeitos são narcotraficantes.
Foi o prelúdio de uma seqüência de reportagens. A repercussão foi tamanha que o governo anunciou o envio da Força Nacional de Segurança.
Até a sexta-feira, os indícios sugeriam que a tentativa de assassinato foi um atentado contra o jornalismo. Um ato de represália à revelação de crimes e criminosos. Ribeiro Jr. escrevera no "Correio": "Na disputa com grupos rivais, bandidos obrigam jovens usuários de merla [subproduto da cocaína], endividados pelo vício, a trabalhar como pistoleiros do tráfico".
Entidades do Brasil e do exterior qualificaram o episódio como uma ação contra a liberdade de imprensa e exigiram a punição dos autores.
Editoriais e manifestos são justos e bem-vindos. Não é esse, porém, o papel mais relevante do jornalismo. A descoberta de quem tentou matar o repórter é urgente, mas a tarefa é, na essência, policial. Fazer justiça é prerrogativa da Justiça.
Há interesse público em reportar a barbárie vigente nas cercanias da sede do poder. Os municípios do Entorno perfilam entre os mais violentos do país. Afundam-se em uma degradação social temperada pela pobreza e a droga.
O ataque a um jornalista que se dedica a expor essa tragédia é também uma tentativa de calar o jornalismo. Deve ser enfrentado com mais reportagens, mesmo sem uma força-tarefa como a de 1976.
A imprensa cumpre sua vocação quando fiscaliza o poder, seja encarnado em um figurão do Senado ou em um exterminador da periferia. As agressões físicas a jornalistas precisam ser respondidas com jornalismo, monitorando e incomodando quem tem motivos para isso.

Fonte: Folha de S. Paulo

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