sábado, 22 de setembro de 2007

Jornais de ontem e de hoje, Carlos Heitor Cony

Belo artigo de Cony ontem (21/09) na Folha de S. Paulo.
Jornais de ontem e de hoje
CARLOS HEITOR CONY

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O "Correio da Manhã" foi uma exceção naquele tempo; a mídia apoiou compactamente o golpe perpetrado em 1964
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O ARQUIVO Nacional montou uma exposição sobre o extinto "Correio da Manhã", aproveitando a doação que Fernando Gasparian fez àquela entidade do extenso material que havia adquirido da massa falida do jornal.
Além da mostra, houve palestras e debates sobre o período histórico a que pertenceu o "Correio", cuja atuação na vida nacional pode ser medida pela entrevista de Carlos Lacerda com José Américo de Almeida, furando a censura do Estado Novo e dando o chute inicial para a redemocratização do país, em 1945.
Mais tarde, em 1964, após combater com violência o governo de João Goulart, no dia seguinte ao golpe de Estado, o jornal foi o primeiro - e, durante muito tempo, o único- a condenar o regime militar, denunciando torturas, violências e prisões.
Em dezembro de 1968, com a edição do AI-5, não houve condições para manter a linha de independência e combate à situação instalada no Brasil. Teve a Redação invadida; prisão de sua proprietária, Niomar Moniz Sodré, que ficou semanas na mesma cela das prostitutas apanhadas pela ronda policial; prisão de seus principais redatores; boicote total da publicidade pressionada pelo governo -o "Correio" tornou-se que nem a família do poeta: "Uma fotografia na parede".
Convidado a visitar a exposição, fui ver as fotos nas paredes do Arquivo Nacional, o grande Otto Maria Carpeaux com alguma coisa de gótico em seu rosto de judeu vienense; Carlos Drummond de Andrade, que era então o C. de A. de crônicas antológicas; Antônio Callado mocinho, elegante como o único inglês da vida real (a classificação é do Nelson Rodrigues); Luís Alberto Bahia, sem a cabeleira branca de seus últimos anos, mais do que nunca um clone visual de Leon Trótski; e Oswaldo Peralva, José Lino Grünewald, Márcio Moreira Alves, Hermano Alves, Antônio Moniz Vianna, o mais influente crítico de cinema de sua época. E dois de seus diretores de redação em momentos importantes do jornal: Edmundo Moniz e Janio de Freitas.
Quanto à palestra, além das abobrinhas de praxe, recebi uma pergunta sobre a diferença da imprensa daquela época com a imprensa de agora. O jovem culpava os jornais que hoje se publicam de todos os males de nossa vida pública, inclusive no episódio da absolvição do presidente do Senado.
A leitura superficial que ele fizera da reprodução de algumas páginas do "Correio" dera-lhe a impressão de que a imprensa cumprira um papel que hoje não cumpre mais.
Tive de explicar que o caso do "Correio" foi uma exceção naquele tempo. A mídia apoiou compactamente o golpe de 64, somente mais tarde, em 1968, vésperas do AI-5, começou a tomar uma posição de velada crítica ao regime, uma vez que a censura em vigor impedia a manifestação de pensamento contrário ao regime militar.
E quanto à mídia de hoje, considerei o jovem mal informado. Desde que estou na pedreira -faz 60 anos, nunca vi tamanha e tal unanimidade de opiniões e de cobertura factual dos escândalos de nosso tempo, notadamente no caso (e nos casos) criados pelo presidente do Senado.
Pelo contrário: está havendo uma corrida de Fórmula 1, uma emulação para ocupar o pódio, sagrando como vencedor o jornal, editorial, coluna ou noticiário que mais condene tudo o que está havendo na vida nacional.
Num só dia, lendo revistas e jornais, anotei expressões que estão sendo usadas para designar os vilões da política que agora se pratica: bandidos, salafrários, energúmenos, piratas, descarados, moluscos, assaltantes, caras-de-pau, depravados, facínoras, meliantes, cafetões, estelionatários, chantagistas. Houve até quem os chamasse de "sicofantas" -que eu suspeitei ser alguma coisa de abominável e que me obrigou a uma consulta ao dicionário.
Não cheguei a medir, mas acho que, por centímetro quadrado das páginas da imprensa que condenam o presidente do Senado, nunca houve cobertura tão unânime e violenta. Se um décimo de cobertura semelhante tivesse acontecido em 1964, talvez o país não tivesse entrado nos chamados anos de chumbo.
Tentei explicar tudo isso ao jovem que me interpelou. Parece que não adiantou. Ele continuou achando que a imprensa está decadente: "Ninguém dá importância ao que hoje se publica".

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