sábado, 21 de abril de 2007

O que você tem nessa cabeça, irmão?


Paisagem mental dos estudantes de jornalismo
Como pensam os futuros "formadores de opinião".
por Marcos Zibordi

TRECHO 1
Durante dois meses penei com a espinhosa pauta – vasculhar a mentalidade dos futuros jornalistas. Seria reportagem de fôlego em parceria com Marina Amaral, editora executiva de Caros Amigos, que buscaria, nas redações e entre os profi ssionais, histórias para compor um quadro descrevendo desde a formação universitária até o cotidiano das empresas, incluindo os cursos de adestramento intermediários entre a obtenção do diploma e o registro em carteira, entre outras excrescências.

Penei por vários motivos. Primeiro, que a dupla de repórteres durou pouco. Marina, atribulada com esta e outras pautas, além dos preparativos para as comemorações dos dez anos da revista, tirou o doce da minha boca.

Então brotaram os entraves naturais do raciocínio de reportagem: não falar somente com gente de São Paulo e do Rio de Janeiro, o Brasil é mais além; duvidar sempre da abrangência do mapeamento, nem que conversasse com todos os professores e estudantes de jornalismo de todas as universidades do país; bolar um questionário cujas respostas revelassem a mentalidade dos entrevistados; contatá-los.

Mas o que empacou mesmo foi pensar na minha relação com esta matéria. Se como repórter e professor de jornalismo eu vivo discordando dos paradigmas das duas profissões, como me posicionar escrevendo sobre elas? Saquei a chance de expor algumas opiniões na forma e no conteúdo deste texto, que já era parcial, subjetivo e autocrítico antes mesmo de ser redigido. Ele também mostraria o meu ambiente mental.

Comecei pelos professores da área. Marquei com Hamilton Octavio de Souza, colaborador da Caros, meu ex-editor na Revista sem Terra e atual chefe do Departamento de Jornalismo da PUC de São Paulo, 25 anos de docência e 35 de jornalismo impresso. Na conversa, percebi o tamanho do pepino. Hamilton disse coisas assim: “Existem raros professores em alguns poucos cursos de jornalismo que estão comprometidos com o ensino vinculado aos interesses da sociedade. O resto é totalmente acomodado, trabalhando em cursos medíocres que oferecem formação tecnicista, achando que ao jornalista basta escrever e não questionar o que ele está escrevendo. Muita gente não tem experiência jornalística, nunca pisou numa redação, não sabe como é que fecha uma revista, como produz um jornal, não conhece o ritmo de trabalho, nunca participou de uma reportagem”.


TRECHO 2

Via Internet
Das questões enviadas pelo Orkut, o maior conjunto de respostas similares mostra que os alunos não se desiludem com o curso de jornalismo. Poderia ser maturidade, mas, em minha opinião, é o esboço do realismo mais raso e constrangedor. Quase todos optaram pela profissão sem alimentar ilusões quanto ao curso e, menos ainda, em relação ao mercado de trabalho. Nenhuma utopia. Listam anodinamente o feixe de desilusões, os maus professores, a falta de infra-estrutura, as falhas técnicas e humanísticas na formação, os ditames do patrão, das empresas. Planura.

Não são todos. Formada no final do ano passado pela PUC-RS, Thais Fernandes, 22 anos, descreve a trajetória frustrante: “Disseram- me em alguns discursos apaixonados nos primeiros semestres que ser jornalista era trabalhar pelo bem comum, mostrar para o mundo os diversos mundos escondidos, ou propositalmente ignorados. Mas, logo em seguida, ser jornalista tornou-se fazer a melhor passagem, ganhar mais prêmios, ficar melhor no vídeo e vencer todo o resto. De repente, tudo vira uma grande competição. Quem tem o melhor estágio, quem está na grande emissora, quem tem mais contatos. Um atropelo sem fim, que acaba num dia em que todos jogam o chapéu para cima, se abraçam sorridentes, e cochicham entre si quem saiu empregado e quem provavelmente será um fracassado”.


TRECHO 3

Desconhecem o povo
Outra pergunta com resposta padrão diz respeito ao contato dos estudantes com os párias da sociedade. De novo a sinceridade constrangedora: simplesmente desconhecem. Luís Ricardo Bérgamo, 2º ano de jornalismo na USP, afi rmou que “meu contato é afastado por opção pessoal”. Contato afastado, como assim?

Então notei, relendo o parágrafo acima e a declaração que encerra este, o quanto estudantes e jornalistas se defendem criticando a postura alheia. Acho que todo mundo faz isso. A melhor maneira de saber sobre alguém é perguntando pro vizinho. “Quando aparece alguma notícia, como, por exemplo, a recente veiculação de que pretendiam criar barreiras para evitar o banho dos mendigos na praça da Sé, a lista de e-mail da minha sala abarrotou de protestos indignados contra a prefeitura e a favor dos mendigos. Mas duvido que 5 por cento , 2 por cento até eu diria, faz algum tipo de trabalho social para ajudar estas pessoas”, cutucou Flávia Faccini, da Cásper Líbero.

Apesar de desconhecerem a ralé, os estudantes de jornalismo têm verdadeira fissura em entrevistar, reportar, fotografar, documentar moradores de rua. De preferência, em preto-e-branco. Arrisco uma interpretação: sem consciência profunda dos problemas sociais do país, enxergam o que salta aos olhos, visão superficial porque, inclusive, vários moradores de rua lá estão por motivos diferentes da pobreza, como drogadições em geral, desentendimentos familiares e problemas mentais.

Marcos Zibordi é jornalista: mzibordi@hotmail.com

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