Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha de S. Paulo, volta a questionar a forma como os jornais tratam as notícias em dias de jornalismo online. Não deixem de ler.
Notícia velha para embrulhar peixe
Na quarta, só 52 mil das 330 mil cópias saíram com a notícia de que Obama havia sido eleito porque o jornal preferiu não esperar para não chegar atrasado
NUMA PAREDE à entrada da sala de reuniões do nono andar do prédio da Folha está discretamente pendurada há pelo menos 25 anos uma natureza-morta: um cacho de bananas, envolto em páginas deste jornal.
O quadro pode ter cumprido, neste quarto de século, saudável função pedagógica: induzir os jornalistas mais graduados da Redação a certa dose de humildade por confrontá-los com o destino reservado ao produto que fazem.
Um pouco à maneira como filósofos existencialistas idealizavam fazer ao sugerir que todas as pessoas andassem sempre com um cartaz pendurado, para ser visto por todas as demais, com as palavras: "você vai morrer".
Esta semana poderia levar os dirigentes da Folha a considerar a possibilidade de transferir a pintura de sua modesta posição atual -compatível com seu nível de qualidade artística- para lugar central no quarto andar, a Redação, de modo que todos os jornalistas a pudessem ver e pensar.
É antigo o axioma "jornal velho só serve para embrulhar peixe". Mas era empregado em referência ao jornal da véspera. Ao do dia, em princípio, dava-se o status de algo mais útil.
Mas notícia velha, não importa se publicada hoje ou ontem, só serve mesmo para embrulhar peixe. Ou bananas.
O leitor da Folha teve todo direito de perguntar se fez bem ao gastar R$ 2,50 na segunda-feira para "ficar sabendo" que Felipe Massa ganhou o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, mas perdeu o título mundial de pilotos. Ou na terça, quando pegou o seu jornal e "descobriu" que os bancos Itaú e Unibanco haviam se fundido.
Esses fatos eram do conhecimento de praticamente todos os brasileiros minimamente interessados por informação muitas horas antes de a Folha chegar às bancas ou à casa de seus assinantes. Rádio, TV, internet já os haviam martelado por horas e horas.
Qual o sentido, então, de as manchetes os repetirem sem tirar nem pôr? Registro histórico, dirão alguns.
Se o jornal impresso precisa mesmo reafirmar o sabido para que daqui a décadas os historiadores o compilem ordenadamente, tenho certeza de que a competente editoria de Arte do jornal será capaz de criar uma seção atraente, mas pequena, até mesmo na primeira página, em que os assuntos principais da véspera fiquem registrados.
Mas que os destaques sejam para algo que o leitor ainda não sabe, algo que o surpreenda, o estimule a ler, lhe dê vontade de encarar o jornal, faça com que ele sinta ter feito um bom negócio ao comprá-lo.
Pior do que repetir o que todo mundo já sabia na véspera é reproduzir oito dias depois o já publicado em outro diário. É o que a Folha faz ao editar suplemento semanal com matérias do "New York Times".
O "Times" é um dos melhores e mais influentes jornais do mundo. É ótimo oferecer ao leitor brasileiro acesso ao que lá se escreve.
Mas precisa ser com tanto atraso? Na estréia do caderno saíram até artigos já dados aqui no Brasil por concorrentes deste jornal. E que ele próprio poderia ter oferecido ao leitor antes, já que tem direito de reproduzi-los.
Além de velho, o material do "Times" apareceu em edição canhestra, comparada com a original: fotos pequenas e mal cortadas, diagramação espremida. Não sei que vantagem o leitor leva com esse suplemento.
Para completar o capítulo da obsolescência da informação do jornal nesta semana, ainda houve a eleição americana. Ali, sim, o jornal impresso poderia trazer algo desconhecido dos brasileiros, que dormiam enquanto os votos eram apurados nos EUA. Mas a maioria dos leitores acordou com a Folha como fora para a cama: desinformada.
Apenas 52 mil das 330 mil cópias saíram com a novidade de que Obama havia sido eleito (33% dos exemplares da cidade de São Paulo).
O jornal preferiu não esperar para não chegar atrasado. Não sei quantos leitores gostaram dessa decisão. Assim como não consigo entender até hoje por que as novas tecnologias de produção de jornal impresso, em vez de permitir que o processo de fechamento da edição seja mais longo, o tenham encurtado em relação ao que era no passado.
Reparto a frustração dos que me escreveram para reclamar de não terem visto no seu jornal a notícia da vitória de Obama: eu não estava entre os 52 mil premiados com a edição das 2h23.
O jornal impresso tem desafios fundamentais à frente se quiser sobreviver. Ou ele se reinventa ou se torna irrelevante.
Se resolver continuar repetindo o que os outros meios informam mais rapidamente e com mais vibração, haja peixe e banana para embrulhar.
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