sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Duelo de Titãs (Juca Kfoury x Ernesto Rodrigues)



Dizer que Jornalista dá "o furo" é sacanagem, intriga da oposição. Eu nunca dei. Mas publico aqui, em primeira mão, autorizado pelo Ernesto Rodrigues, sua resposta ao jornalista Juca Kfoury às críticas ao livro "Jogo Duro", biografia de João Havelange, escrita por Ernesto.

Ernesto é meu ex-colega de O Globo. Bom de escrita e bom de briga. Juca Kfoury dispensa apresentações. Eu também adoro uma polêmica. Só não gosto, como se dizia antigamente, quando "alguém chama a mãe de careca e o pai de cabeludo". Ou seria o contrário?
Vale a pena ler esse "duelo de titãs".

A crítica do Juca:
Síndrome de Estocolmo
"Como diz o excelente biógrafo Ruy Castro, biografados deveriam ser pessoas que já morreram, há quanto mais tempo melhor, e melhor ainda serão se não tiverem parentes vivos.
João Havelange como se sabe, está vivo. E acaba de ser objeto de mais uma biografia.

Ou melhor: de um panegírico. O título deveria ser "São Havelange", mas é "Jogo Duro". Duríssimo, diria o crítico. De engolir.

O autor, Ernesto Rodrigues, não só submeteu o texto final ao biografado, como confessa ter atendido alguns de seus pedidos. E, ao que tudo indica, foi atingido pelo que se chama de Síndrome de Estocolmo, aquela que faz com que o seqüestrado se apaixone pelo seqüestrador. E se você quiser ler a verdade sobre o personagem, dedique seu tempo à leitura mais útil em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/inde080698.htm

Juca Kfouri".

A resposta de Ernesto Rodrigues:

"Juca, aqui Ernesto Rodrigues, autor de “Jogo Duro – A história de João Havelange”, o livro que você recomendou e, uma semana depois, “desrecomendou”, no blog e na CBN, considerando-o uma obra de canonização do biografado.

Obviamente não quero mudar sua opinião, ainda que prefira acreditar que você pode ter sido vítima de uma leitura apressada. Peço apenas, em nome do jornalismo ético que ambos prezamos, que você permita, no blog e na rádio, que eu faça alguns esclarecimentos. Estão registradas no livro, eleitas pela gravidade implícita de cada uma, independentemente do fato de a esmagadora maioria não estar acompanhada de evidências ou provas jornalísticas, todas as acusações importantes de que se tem notícia e que já foram feitas, no Brasil e no exterior, contra João Havelange.

Entre as acusações – sem contar episódios inteiros que ilustram o estilo imperial, patriarcal e autocrático do biografado – estão a de que ele teria sido beneficiário oculto dos contratos de marketing e de TV da Fifa (páginas 192, 251, 253, 292, 293), a de que ele tinha negócios com Gulhermo Cañedo, vice-presidente da Fifa e sócio da Televisa (274), a de que ele apadrinhou uma negociação (interrompida) para a criação de uma loteria mundial vinculada à Copa do Mundo (357), a crítica à falta de auditorias independentes na entidade (254), a guerra entre ISL e IMG pelos contratos da Fifa (357, 359, 360) e as especulações e informações sobre a riqueza pessoal Havelange (318, 319, 320, 321 e 322).

Nas páginas 201, 202 e 203, está registrada a histórica matéria de Playboy (201,202 e 203), editada sob sua responsabilidade e que reúne, em nove páginas, a maioria das acusações citadas acima, acrescida da afirmação de que Havelange era “vendedor de armas” e a de que ele tinha conexões com o “crime organizado” do Brasil. Nestas mesmas páginas, o livro cita ainda que, durante a CPI da Nike, deputados cobraram do então depoente convidado João Havelange esclarecimentos sobre seu suposto envolvimento com “tráfico de armas” e com o “financiamento de seqüestros”.

A citada matéria da Playboy que você, como diretor, mandou às bancas e o espetacular caderno "Era Havelange", de Mário Magalhães, publicado pela Folha de S. Paulo em 8 de junho de 1994 (o mesmo que você recomendou aos leitores de seu blog na crítica ao meu livro) foram - mais o caderno que a matéria, devo dizer - o ponto de partida para boa parte das mais de 120 entrevistas que fiz. O cruzamento do que pesquisei e ouvi com as respostas que encontrei em mais de um ano de trabalho está catalogado num arquivo Excel com 5400 verbetes. Do arquivo saiu o livro, depois de um delicado processo durante o qual chegamos, Havelange e eu, próximos a uma situação semelhante à da recente biografia de Roberto Carlos.

Feito o esclarecimento, devo dizer que você tem razão. Embora tenha sido eu o único responsável pelo texto final, deixei, sim, algumas informações de fora, a maioria delas relacionadas à vida pessoal de João Havelange. Claro que você e qualquer um podem duvidar, mas afirmo que nenhum corte representou prejuízo ou mutilação do conteúdo jornalístico da biografia.

Exatamente para evitar a impressão de canonização que você acabou enxergando no meu livro, também deixei de fora, acredite, muitos depoimentos que um jornalista chapa-branca a serviço de João Havelange jamais dispensaria. Duas declarações que não usei, aliás, foram suas, feitas na entrevista que você me deu em 29 de março de 2006. Transcrevo-as:

“Não sou idiota a ponto de negar fatos absolutamente constatáveis. Na gestão dele (Havelange), o Brasil ganhou três copas. Na gestão dele, a Fifa se transformou num império e não era”.

Outra declaração sua que não usei:

“Eu era contra aquele modelo (de Havelange) de ampliação da Copa do Mundo para 32 seleções. Achava que estavam fazendo um “arenão” na Fifa, aquele negócio de “a ARENA vai mal, um time no (Campeonato) Nacional”. Mas não nego: revi a minha posição no sentido de que esta ampliação permitiu o florescimento do futebol africano e asiático. Provavelmente eles não teriam florescido se o modelo permanecesse aquele de 16 seleções. Reconheço. E também o advento dos mundiais Sub 17 e Sub20. Isso acabou sendo objetivo, sem dúvida nenhuma”.

Detalhe: essas duas declarações suas, acredite, não entraram no livro a pedido de Havelange. Ele disse que dispensava elogio seu.

Havelange também não queria qualquer menção à matéria de Playboy. Mas nesse caso eu não aceitei e a mantive.

Eu gostaria muito de poder falar mais da incrível experiência que foi produzir e escrever esse livro. De preferência ao vivo, no seu programa da CBN. Da minha parte, você pode estar certo, não tem baixaria. E acredito que a recíproca é verdadeira.

Não quero que você volte a recomendar o livro. Quero apenas que ele seja entendido como um trabalho jornalístico sério e que merece, também, o seu respeito.
Saudações jornalísticas
Ernesto."

Uma aula de "ouvir" os dois lados. Ainda não li o livro do Ernesto, que recomendo abaixo, mas gostei.

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