quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Tá todo mundo querendo dar pra Jornalista!

WEBJORNALISMO
Para o leigo que acha que faz jornalismo na internet
José Paulo Lanyi

Em meio ao debate sobre os trotes perpetrados na internet, como a fotomontagem publicada pelo UOL (ver "Internet sucumbe ao espírito de porco"), durante a cobertura do desastre de Congonhas, há quem pense que a interatividade garante ao leigo a condição de jornalista– ou, talvez, de algo como um "co-jornalista". Vamos a alguns argumentos a favor dessa falácia, seguidos de comentários deste articulista.

** A interatividade chegou para ficar. Em espaços jornalísticos, a interatividade tem o público como "co-agente" do processo informativo. Logo, o público também faz jornalismo (e, por vezes, é tratado como jornalista).

Comentário: Apesar do marketing de empresas que disseminam essa suposta prática, ancoradas em conceitos embutidos em teorias como "jornalismo cidadão", "jornalismo participativo" ou "jornalismo colaborativo", os leitores que enviam as informações continuam sendo o que sempre foram: fontes jornalísticas. A interatividade nada mais faz do que expor a fonte em proporção ainda maior do que no "jornalismo convencional". A fonte e o conteúdo transmitido ganham "status", dado o destaque que se dá a esse mecanismo: links, chamadas e outros artifícios que conferem ao público um "estado especial" - que é atraente como produto de marketing, mas não se sustenta jornalisticamente. Trata-se de uma condição que leva à confusão. Um homem diz ao outro: – Você é um repolho.

E o outro, que sempre quis ser um repolho, "acredita" nisso, por ímpeto ou conveniência, já que existe um terreno propício para a produção "ilimitada" de vegetais.

** Checar e enviar uma informação, devidamente "formatada" ou até editada, a um espaço jornalístico é o suficiente para garantir ao leigo a condição de alguém que produz jornalismo.

Comentário: O jornalista é um profissional que trabalha para o veículo e deve responder por aquilo que faz. O jornalista é cobrado pela empresa na medida do compromisso assumido entre as duas partes. E vice-versa. Essa associação se verifica com base na premissa de que o profissional conhece a empresa, e a empresa conhece o profissional. Há obrigações mútuas explícitas. Em caso de erro ou até mesmo da ocorrência de um crime, contratante ou contratado poderá responsabilizar e tomar as devidas medidas administrativas, trabalhistas ou legais contra o pólo ofensor. O público, por sua vez, ainda que colabore aos borbotões, não tem responsabilidade jornalística sobre o conteúdo enviado e publicado. Sua responsabilidade é a de um cidadão que declara algo a um espaço jornalístico. Ou seja, a sua responsabilidade é a de uma fonte jornalística, de um cidadão que está sujeito às leis do país, como qualquer outro, mas não responde jornalisticamente pelo que faz.

** A internet é democrática. Há uma revolução em curso. Todos agora têm direito de publicar as suas informações. Logo, todo mundo pode fazer jornalismo. Quem é contra essa conclusão é antidemocrático, detesta a interatividade e está parado no tempo.

Comentário: Dizer que "fonte é fonte, jornalista é jornalista" não é o mesmo que ser contra a interatividade. São afirmações distintas. A interatividade é uma característica que pode ser bem ou mal aplicada. A liberdade deve ser estimulada, mas, como tudo na vida, sempre haverá limites, e isso é bom. O velho preceito de que a minha liberdade termina onde começa a sua também deve prevalecer na internet. Muitos esquecem, ou fingem esquecer: democracia implica responsabilidade, direitos e deveres. Vale-tudo é apenas o nome de um esporte violento.

** Os blogs comprovam: blogueiro pode fazer jornalismo; logo, é jornalista.

Comentário: Existem blogs jornalísticos e blogs pessoais (ou seja, calcados nas experiências cotidianas do indivíduo), entre outros, como empresariais, etc.Os blogs jornalísticos devem ser escritos por jornalistas. Neste caso, quem pode ser jornalista? A opinião deste articulista, há anos, é esta: jornalista é quem produz jornalismo, e isso independe de formação específica. Ou seja, jornalista que é jornalista nasce jornalista, por vocação, e forma-se como bem entender, seja cursando faculdades de jornalismo, seja cursando outras faculdades, seja cursando a faculdade da vida, em busca de prática e conhecimento.Importante é, essencialmente, ser. Os blogs jornalísticos devem ser escritos por jornalistas, com todas as (amplas) exigências e implicações imanentes a essa atividade.

** Se jornalistas fazem mau jornalismo, então qualquer um pode fazer jornalismo na internet. É um ato democrático que garante a veracidade dos fatos.

Comentário: Se um médico erra na cirurgia, isso não me dá o direito de realizar a seguinte, pela simples razão de que não tenho a formação necessária para revolver o corpo das pessoas. É a velha questão da responsabilidade. O leigo pode e deve fiscalizar os jornalistas. O leigo pode e deve abrir espaços livres de opinião e de informação. O leigo pode, se quiser, tornar-se jornalista, desde que o seja na prática, na alma e na intenção revestida pela formação. Mas, enquanto for leigo, nos espaços jornalísticos sempre será o público, jamais o jornalista. E não se iluda: leigo ou não, estará sujeito a publicar bobagens, como todo mundo que respira. É o que comumente se verifica em diversos fóruns de leitores eletrônicos: as idéias ficam em vigésimo plano, e o que predomina é o argumento ad hominem, aquele que, na ausência da vontade de analisar os fatos com a frieza que a razão exige, ataca a pessoa que escreveu ou foi citada em um determinado artigo. Eis um dado exemplar que apenas reforça uma constatação antiga: pouco importa o meio; ainda que seja eletrônico ou modernoso, sem educação (intelectual e moral) continuaremos como estamos: orgulhosos, mas na idade da pedra do pensamento.

Fonte: Observatório da Imprensa

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