quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O Direito de Saber (os mais antigos não devem confundir com nascer)


Passei o dia inteiro na rua e não pude registrar cedo o "furo" do Globo na matéria de capa sobre a "troca de e-mails dos juízes do mensalão". Belo trabalho do fotógrafo Roberto Stuckert Filho (conheci o pai dele). Mas, em compensação, reproduzo a crítica diária do ombudsman da Folha, Mário Magalhães, publicada hoje. Vale a pena ler. Mais uma aula de Jornalismo.

"23/08/2007
O direito de saber
MÁRIO MAGALHÃES
ombudsman@uol.com.br

Um profundo debate sobre direito à privacidade e direito público à informação se abre hoje com o furo do Globo, sintetizado na manchete "Ministros do STF combinam e antecipam voto por e-mail". Um repórter-fotográfico registrou a imagem da tela de computadores de ministros do Supremo Tribunal Federal na sessão que discutia a instauração de processo criminal contra os 40 acusados pelo mensalão. O jornal publicou o que os juízes escreviam e liam: mensagens tratando da denúncia e outros temas.

Relembro: ontem saiu na seção Painel, da Folha, uma nota intitulada "Online". Dizia: "De tédio os membros do STF não morrerão durante as longas horas de sustentação oral dos advogados de defesa no julgamento do mensalão, que começa hoje. Segundo um conhecedor dos hábitos do tribunal, vários ministros vão passar o tempo navegando na internet".

No domingo, ao informar a tendência de voto dos ministros em relação à denúncia contra o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, a Folha nomeou quatro a favor e quatro contra. Sobravam dois. O jornal escreveu: "A maior incerteza é em relação aos votos de Carmem Lúcia Rocha e Ricardo Lewandowski" --os personagens centrais da cobertura do Globo.

Hoje, na reportagem "Governo espera justiça sem paixão, diz Dilma" (pág. A6), a Folha contou: "Ontem, no primeiro dia do julgamento, ministros usaram a internet para consultas e para trocar mensagens. Durante as principais falas do ministro Joaquim Barbosa, relator, e do procurador-geral, autor da denúncia, ao menos dois ministros navegavam pela rede e conversavam virtualmente pelo sistema do STF. Depois de ler o relatório, Joaquim Barbosa dedicou-se a ler e escrever no laptop. E, já na fase da apresentação dos advogados, o próprio procurador também usava seu computador". (Considero a edição São Paulo concluída às 23h51.)

Trecho da reportagem do Globo "Voto combinado na rede": "A conversa [entre os ministros Carmem Lúcia e Lewandowski], que durou duas horas e foi captada pelas lentes dos fotógrafos que acompanhavam o julgamento [...]".

As imagens que vi hoje foram feitas apenas por um fotógrafo, Roberto Stuckert Filho, do jornal carioca. O relato introduz a hipótese de que outras publicações tenham tido acesso às conversas online, mas não quiseram veiculá-las.

Para concluir as, como diriam em juridiquês, preliminares, recordo que a primeira página e a pág. A4 da Folha de 27 de junho exibiram fotografias, feitas no plenário do Senado, de bilhete de Renan Calheiros para Arthur Virgílio. Aparentemente, sem autorização do remetente e do destinatário.

Aquela decisão editorial se assemelha à do Globo de revelar os "bilhetes eletrônicos" dos magistrados.

Primeiras impressões sobre o furo do dia: as fotografias foram feitas em prédio público, com acesso público e em sessão pública. Há interesse público em conhecer as inclinações da Suprema Corte no julgamento e bastidores de episódios não esclarecidos, como a aposentadoria do ministro Sepúlveda Pertence. O repórter-fotógrafico não interceptou ilegalmente correspondência eletrônica nem se beneficiou de interceptação ilícita de autoria alheia. Ele cobriu um evento público e registrou o que era possível apurar --no caso, as informações mais relevantes do dia, a tendência de voto de alguns ministros. Cumpriu seu legítimo dever jornalístico.

O furo impõe uma série de discussões: o STF deve se pronunciar conforme o sentimento da "comunidade" ou de acordo com a letra fria da lei?; a saída repentina de Sepúlveda Pertence foi uma operação política do governo, em tentativa de influir no eventual processo do mensalão?; como ocorrem as discussões sobre votos antes dos julgamentos?; quais são os grupos em um tribunal aparentemente dividido?; qual a influência dos assessores no voto dos ministros?

Os leitores ganharão se a Folha for transparente, publicando na edição de amanhã os fatos divulgados hoje pelo concorrente. Caso o jornal tenha optado por não publicar informações em seu poder (o Globo fala em "fotógrafos"), penso que é seu dever noticiar a decisão e seus motivos".

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