quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Sapatada no Bush: "O repórter e a objetividade", Ruy Castro

Deu hoje na Folha.

O repórter e a objetividade
Ruy Castro

Chocado e divertido com o repórter da TV iraquiana que atirou os sapatos contra o presidente Bush durante uma coletiva em Bagdá no último domingo, fui aos alfarrábios para ver o que os manuais de redação e as velhas apostilas mimeografadas dos cursos de jornalismo teriam a dizer sobre tal atitude. Não encontrei nada. Sinal de que os professores não pensaram na possibilidade.

Nem precisavam. A ética jornalística exige que as relações entre repórter e entrevistado sejam de objetividade total. O repórter pergunta, o entrevistado responde e o repórter anota ou grava, e faz nova pergunta. Não é permitido ao repórter flertar com o entrevistado, piscar para ele ou pedi-lo em casamento, mesmo que o entrevistado seja a Alessandra Negrini. Muito menos dar-lhe uma bofetada, cuspir-lhe no olho ou atirar-lhe os sapatos, mesmo que o entrevistado seja o Bush.

Nesse caso, pode dizer-se que Muntazer al Zaidi, o repórter iraquiano, transgrediu uma das cláusulas pétreas do jornalismo. Onde já se viu um repórter atirar os sapatos no homem mais poderoso do mundo? E ainda mais no Iraque, onde tal ato tem um forte conteúdo subjetivo - significa que a pessoa alvejada com os sapatos está abaixo da sujeira que eles pisam na rua.

Duas coisas chamaram a atenção: a rapidez com que Bush se esquivou, como se treinasse isso todos os dias, e a lerdeza dos seguranças, permitindo que Al Zaidi se agachasse, descalçasse o segundo sapato e o atirasse. E se a arma não fosse um sapato, mas uma pistola? Quantos disparos não teriam sido feitos no mesmo espaço de tempo?

Para milhões de iraquianos, o dramático Al Zaidi é um herói. Mas outros estão tiriricas, por ele ter preferido ofender Bush subjetivamente, ao invés de - aí, sim- objetivamente matá-lo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não criticaria a atitude do repórter Iraquiano, Muntazer al Zaidi, pois expressou tudo aquilo que sofreu ou chocou-o vendo de perto. A raiva do jornalísta, essa sensação mais forte do que a ética profissional resultou num crime, numa fatalidade incontrolável.

Foi a maior desmoralização pública que um presidente poderia sofrer, um grand-finale para George Bush -
Por que não xingá-lo culturalmente?