quarta-feira, 4 de julho de 2007

Dines e o "Fator Murdoch" no Observatório

SOBRE CORPORATIVISMOS
O fator Murdoch, lá e cá
Alberto Dines
Fonte: Observatório da Imprensa

A edição de sábado (30/6) de O Globo (pág. 36) reproduz um veemente libelo do colunista do New York Times, Paul Krugman, contra a compra do Wall Street Journal pelo tubarão da mídia Rupert Murdoch ("O fator Murdoch na mídia americana", ver http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=440JDB001).

A matéria é triplamente meritória: a) pelo conteúdo; b) pela revelação de que o NYTimes manifesta-se ostensivamente sobre os negócios do concorrente e, c) pelo fato de levar um jornalão brasileiro a discutir em público a questão da propriedade de um veículo de comunicação. Ainda que em outro mercado, no hemisfério norte [ver remissões abaixo].

A imprensa brasileira deixou de se expor à opinião pública. Discute tudo, menos a vida íntima das empresas jornalísticas. A imprensa brasileira deixou de brigar pela integridade da imprensa brasileira. Mas o que se passa dentro de uma empresa jornalística é de interesse da sociedade.

Pacto de silêncio

Se Murdoch efetivamente comprar o poderoso Wall Street Journal, ficará em Nova York com dois jornais – o New York Post, que atua no segmento popular, e o jornalão de negócios, um dos mais influentes diários do mundo, o WSJ.

O NYTimes tem obrigação de discutir isso publicamente porque Murdoch, além de tubarão, é um dos maiores reacionários no mundo da mídia. Não respeita os princípios de isenção, não tem o menor apreço pelo equilíbrio dos veículos que coleciona e, além disso, tem o maior desprezo pelo que pensam os seus empregados. Mesmo os do primeiro escalão.

Os EUA estão discutindo a compra do WSJ e assim também a opinião pública inglesa, porque Murdoch já é dono do Times de Londres e ao acrescentar um jornalão americano ao seu formidável portfólio tornar-se-á imbatível.

Se o NYTimes não discutisse a compra do concorrente estaria traindo os interesses dos seus leitores e dos seus anunciantes. Se ficasse omisso, seria acusado de cúmplice e irresponsável. Sua biografia ficaria indelevelmente comprometida.

No Brasil, é diferente. A imprensa é um dos poucos tabus da nossa imprensa. Foi estabelecido um pacto de silêncio em torno da mídia em geral e dos jornais, em particular. A ANJ (Associação Nacional dos Jornais, que transcende ao segmento diário e em algumas questões abarca também os semanários, a despeito da existência da ANER, entidade revisteira) adota rigorosos códigos de conduta.

Primeira grandeza

O pluralismo e a diversidade da nossa mídia são condicionados pelo corporativismo desta mesma mídia. A pauta dos jornais brasileiros teoricamente tem poucas limitações – em princípio a grande imprensa trata de tudo. A realidade é outra: uma vaca sagrada verdadeiramente intocável foi instalada no âmago da nossa imprensa e impede que a sociedade seja informada do que se passa intramuros.

Significa que nosso jornalismo – por melhor e mais brilhante que seja nos seus aspectos formais, intelectuais e operacionais – está proibido de ser absolutamente transparente. Em certas disciplinas é assumidamente opaco. Não por culpa de poderosos governos ou delirantes caudilhos, mas por opção própria. Vocação suicida. Nossa imprensa transgride voluntariamente uma das suas principais funções e não consegue perceber que perde o direito de exigir transparência e limpidez nas diferentes esferas da sociedade.

Quando o jornalista-empresário Ary de Carvalho tomou O Dia do deputado-empresário Chagas Freitas (que, por sua vez, o havia tomado de Ademar de Barros), o assunto não vazou, circunscrito às conversas de bar. Chagas Freitas foi durante duas décadas o presidente do Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais do Rio de Janeiro, precursor da ANJ. Não obstante, foi atropelado pelo pragmatismo/corporativismo dos ex-parceiros – "o rei é morto, viva o rei". A imprensa americana ou inglesa ou alemã ou francesa ou espanhola, jamais manteria este assunto na gaveta. [Ver, neste Observatório, "O Rei está morto, viva o Rei")

Os procedimentos e negócios do empresário Nelson Tanure nunca foram examinados pelos seus pares. Mesmo o seu exótico hobby de colecionar ou alugar moribundos (Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, CNT, IstoÉ) não consegue despertar o interesse de uma imprensa geralmente tão sensível aos escândalos.

O Globo iniciou uma formidável série de reportagens sobre "Impunidade". Mais do que investigação, é uma magnífica exibição de um dos principais atributos e deveres da imprensa: sua capacidade de lembrar e referenciar. No domingo (1/7), à página 3, um quadro simples e aterrador: os dez escândalos dos últimos dez anos, todos impunes. Começa com os precatórios (1997) e termina com os sanguessugas (2006).

Ficou de fora o escândalo da compra do Dossiê Vedoin para ser publicado no semanário IstoÉ, um dos únicos casos em que a infalível Polícia Federal reconheceu a sua falibilidade. Crime eleitoral de primeira grandeza e cujo pivô era um veículo jornalístico. Sobrou. Escândalo na mídia não serve à nossa mídia.

Entrevista ignorada

No domingo 24/6, a Folha de S.Paulo publicou com enorme destaque uma entrevista com aquela que no dia seguinte ela própria classificaria como "Musa do Escândalo", Mônica Veloso, a ex-namorada do senador Renan Calheiros.

Com sutileza e alguma malícia, o jornal revelou o perfil da testemunha-chave da revista Veja sem contudo desqualificar o teor das graves acusações contra o senador. Como a moça quer aparecer, a Folha fez a sua vontade – mostrou-a.

Arrependeu-se: a entrevista passou uma semana inteira completamente ignorada pelos agilíssimos e atentos leitores da Folha de S.Paulo. Inacreditável: de segunda (25/6) a segunda (2/7), uma das seções de cartas mais dinâmicas da grande imprensa deixou de lado uma matéria superbadalada, picante, trepidante, politicamente incorreta porém muito reveladora sobre os bastidores do nosso jornalismo investigativo.

Rupert Murdoch, o rei da manipulação, não aprovaria este silêncio.

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