domingo, 15 de julho de 2007

Mais uma bela aula do ombudsman da Folha


Mário Magalhães, como sempre, transforma em aula de Jornalismo sua coluna dos domingos. Hoje ele fala da falta de senso crítico de alguns coleguinhas. É preciso estar atento e forte e jornalista, como quase todo mundo, é sempre desligado e não presta atenção nas coisas ou no que se está falando.

Lembro que uma vez fui procurado por um deputado picareta que queria fazer uma "denúncia" contra um colega político. Era um recorte do Diário Oficial com nomeações irregulares. Só que uma simples espiadinha com atenção no que estava escrita mostrava que as tais nomeações irregulares tinham sido feitas no fim do governo anterior e não no ínício do governo que o parlamentar queria criticar.

Resultado: parte da Imprensa "comeu mosca" e O Globo, onde eu trabalhava, deu um outro enfoque na matéria.
É preciso ler e VER.

Efeito boiada e operação tartaruga
Mário Magalhães

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Uma deficiência jornalística é se associar a relatos sem o devido senso crítico; basta observar o vídeo com atenção para constatar que não há envelope --------------------------------------------------------------------------------

Não sei se o ex-ministro Silas Rondeau é ladrão.
Ou, melhor dizendo, se ele recebeu propina da empreiteira Gautama quando dirigia a pasta de Minas e Energia.
A Polícia Federal suspeita que Rondeau tenha embolsado suborno de R$ 100 mil, em troca de facilidades no programa Luz Para Todos. Ele nega.
No dia 21 de maio, a Folha noticiou o conteúdo de um vídeo do circuito interno do ministério. A PF o obteve na investigação sobre fraudes em obras públicas que resultou na Operação Navalha.
O jornal afirmou: "As imagens mostram uma funcionária da Gautama, Fátima Palmeira, entrando no ministério pelo elevador privativo no dia 13 de março deste ano. Ela carrega um envelope de cor parda, no qual a PF acredita que estavam R$ 100 mil".
Prosseguiu o texto: "Diretora financeira da Gautama, ela se dirige até o andar do gabinete de Silas Rondeau. Lá, encontra-se com o assessor do ministro Ivo Almeida Costa, preso na Operação Navalha. Meia hora depois, as imagens registram a saída de Fátima e de Ivo do gabinete. Aí, quem está de posse do envelope é o assessor".
Perguntei, e a Redação informou que teve acesso às imagens "com uma fonte". Na véspera, o programa "Fantástico" as havia exibido com ineditismo e as descrito de modo semelhante ao do jornal -a rigor, de boa parte dos jornais- no dia seguinte.
O tal envelope ganhou destaque desproporcional na detalhada apuração da polícia. A PF acompanhou o saque em agência bancária, testemunhou encontros, interceptou telefonemas tratando de dinheiro e da incursão da diretora da Gautama por uma entrada discreta do prédio público. Seria estranho que focasse um envelope, e não a bolsa de razoável dimensão nos braços da visitante.
O ministro pediu demissão em 22 de maio, inexistindo prova conclusiva contra si, embora os indícios estejam longe de ser desprezíveis.

Laudo
No fim de semana passado, a revista "Carta Capital" divulgou laudo encomendado pela defesa de Ivo Costa, ex-assessor de Rondeau. O perito Ricardo Molina de Figueiredo sustenta que não havia envelope com Fátima e que Ivo Costa tinha nas mãos uma folha branca de papel.
No sábado retrasado, o "Jornal Nacional" veiculou reportagem descrevendo a perícia. Na segunda, a Folha titulou: "PF não afasta suspeita sobre ex-ministro".
Contou que, "de acordo com a investigação da Polícia Federal, [o dinheiro da propina] foi [levado] ao ministério na bolsa da diretora financeira [...]" da construtora.
O jornal não lembrou ter bancado a impressão original da PF. Mais grave, reafirmou que havia envelope com Fátima Palmeira e Ivo Costa. Disse que Molina "concluiu não ser possível colocar R$ 100 mil num envelope como o das imagens", quando o laudo vai muito além: nega haver envelope e afirma que, além da bolsa, Fátima levava apenas um celular e "uma espécie de livro com capa escura".
Resolvi checar: na internet, vi e revi o vídeo transmitido pela TV Globo, o mesmo analisado por Molina.
Não identifiquei envelope com a representante da Gautama. Com o ex-assessor, há na mão um objeto branco que aparenta ser de fato uma folha de papel. Esquadrinhei o laudo, que parece fiel às imagens. O que o laudo não diz: o volume estimado pelo próprio estudo para um pacote com mil notas de R$ 100 caberia na bolsa feminina.
Para a Redação, a reportagem de maio foi correta: "[A Folha] recebeu a informação de fonte qualificada e teve acesso a um pen drive com as imagens. Nelas, Fátima carrega um volume sob o braço, que parece ser um envelope de cor parda, e o assessor também carrega um papel".
"É argumentável, como a perícia depois indicou, que não eram envelopes suficientemente grandes para carregar R$ 100 mil, mas a imagem não permite dizer isso. Como a imagem foi analisada em off dos investigadores do caso, foi colocada a versão de que "a PF suspeita"." A Redação continua a insistir: "Há um objeto na mão da assessora que pode ser um envelope".
Uma deficiência do jornalismo é se associar a algumas versões sem o devido senso crítico. Basta observar o vídeo com atenção para constatar que ele não mostra envelope, pardo ou de qualquer cor.
Ainda que agentes da Polícia Federal dissessem que sim, o jornal não deveria subscrever o engano.
Na hora de reportar suspeitas e acusações, nós jornalistas obedecemos a um certo efeito boiada: um dispara, os outros correm atrás e ecoam.
Quando se trata de corrigir ou recuar, impõe-se uma operação tartaruga, atávica, muitas vezes involuntária. Quem perde são os leitores.

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