Ombudsman do iG: “Crítica da mídia deveria ser obrigatória nas escolas”
Carlos Castilho
Mario Vitor Santos, o primeiro ombudsman de um portal na Web, está completando um mês de trabalho e faz um balanço de sua experiência numa entrevista por correio eletrônico, da qual reproduzimos os trechos principais:
Código Aberto - Neste curto espaço de tempo em que você exerce o cargo de ombudsman na internet, já dá para fazer uma comparação entre a tua função atual e a que você ocupou na Folha de S.Paulo? Quais as principais diferenças?
Mario Vitor - O leitor de internet não se sente tão identificado com seu veículo como o leitor de jornais. Na verdade, o leitor sente-se mais “livre” para visitar diversos locais, alternar entre informação e entretenimento, entre serviços e trabalho. No iG, acabo me envolvendo com o cliente de maneira ampla (como aliás, já ocorria na Folha). Ou seja, lido também com questões de acesso, de funcionamento de e-mail. Na Folha, o leitor me procurava quando não recebia o jornal em casa num determinado dia. O ombudsman tem canais para encaminhar esses questionamentos de maneira relativamente rápida.
Quanto ao conteúdo, a Internet, mesmo apenas um portal, como o iG, você sabe, tem de tudo. O jornal é muito mais homogêneo. Um portal é variado, traz muita informação. Mais de uma vez publiquei que o iG omitiu dados que foram para o ar. A sensação que dá é que está tudo lá, já publicado. O problema é achar. Falta ao iG algo que sobra nos bons jornais: edição. Isto é, falta mais seleção, orientação, hierarquização. E falta mais autonomia em relação aos outros. Falta arriscar um outro olhar, com mais critérios éticos. Nesse terreno, o iG em geral, se iguala aos outros veículos.
CA - Na internet, os leitores são muito mais interativos do que nos jornais por conta das características do meio. Você está trabalhando mais do que nos tempos de ombudsman da Folha?
MV - Sim, os leitores são mais interativos. Há uma demanda muito mais imediata. Mas o grau de exigência dos leitores de internet me parece menor, em função da possibilidade de trocar rapidamente de conteúdo, de o leitor conduzir sua própria busca em uma série de outros locais, quando não está satisfeito. A cobrança, num certo sentido, é menor. Então o trabalho de checagem tem que ser maior. Só vai aumentar a credibilidade, se a qualidade for maior. Se o leitor acreditar que o que lê no iG foi submetido a padrões mais altos de exigência jornalística e ética. Não pode ir para o ar qualquer coisa que é veiculada por um parceiro ou uma agência. O trabalho, sem dúvida, é maior.
CA - O professor Jay Rosen, diretor da Escola de Jornalismo da Universidade de Nova York, acredita que os ombudsmen deveriam se preocupar mais em ensinar as pessoas a usar a informação no ambiente online, já que a maioria dos internautas ainda é muito inexperiente em matéria de manejo da notícia. Você concorda com ele?
MV - Sim, concordo. Mas acho que isso deveria ser feito em relação a todos os meios de comunicação. Acho que uma disciplina deveria ser obrigatória nas escolas, desde o primeiro grau: Os Meios de Comunicação. O aluno deveria aprender crítica da mídia desde cedo. Deveria saber identificar agendas, interesses por trás das notícias e manipulação. Muitas vezes, os leitores não estão nem conscientes do valor da informação e de que faz parte das obrigações de um portal sério produzir e divulgar informação de qualidade, ou seja, relevante, confirmada, dando voz a todos os envolvidos.
CA - Você é provavelmente o primeiro ombudsman do mundo num site de notícias exclusivamente online. Você acha que está abrindo um novo espaço para a função?
MV - Acho que estamos sim abrindo um espaço de discussão onde, a rigor, ele é mais necessário: na internet. Ela é importante demais para que não haja questionamentos cada vez maiores sobre a qualidade do que é distribuído. Melhor que um veículo tome a iniciativa, antes que isso venha a ser feito de outras maneiras, ou seja, pelo descrédito dos usuários ou pela ação de autoridades.
CA - Nos jornais, o ombudsman é, principalmente, um canal entre o público e a redação. No internet, o público pode acessar diretamente os editores, redatores e repórteres. Isto facilita ou complica a sua tarefa como ombudsman?
MV - Acho que facilita. É bom lembrar que no iG a proposta de criação do ombudsman partiu da redação, dos jornalistas. Eles achavam necessário existir alguém que fosse uma referência para essas cobranças, uma voz externa, informada, experiente, com padrões de cobrança elevados, de forma a propor um patamar mínimo. São padrões clássicos já consolidados nos veículos de qualidade, como ouvir o outro lado, verificar a veracidade das informações antes de publicá-las, não ceder à manipulação nem ao espírito de manada. O ombudsman organiza uma interlocução em torno desses esforços: concentra as cobranças que chegam dos usuários, é um canal para os personagens das notícias, que muitas vezes são caluniados sem qualquer chance de defesa. O jornalista que publica uma informação falsa muitas vezes não é a melhor pessoa para cobrar sua correção.
Perfil de Mario Vitor: 52 anos, jornalista, formado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (1979), mestre em Letras Clássicas pela Universidade de Exeter (Inglaterra), doutorando pela Universidade de São Paulo. Foi jornalista da Folha de S.Paulo de 1984 a 1999, onde exerceu as funções de redator, editor, diretor da Sucursal de Brasília, secretário de Redação, ombudsman, repórter especial, editor da Revista da Folha, entre outras. Professor, crítico de teatro e diretor da Casa do Saber.
Fonte: Observatório da Imprensa
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